Livro: Andarilhos Errantes
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Texto aberto, abaixo
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ANDARILHOS
ERRANTES
"Não estamos errando através de um vazio infinito? Não sentimos na face o sopro do vazio?" (Nietzsche, A Gaia Ciência)
Índice
Parte 1: Nem só de pão viverá o homem
Parte 2: A padaria do protervo
Parte 3: Breve lembrança
Parte 4: O hotel podrão
Parte 5: Prisioneiros do acaso
Parte 6: Mais um dia na existência
Parte 7: Um novo dia, um novo Adeus
Parte 8: A sina dos coveiros
Parte 9: A praça da igreja
Parte 10: O sentido da vida
Parte 11: A Segunda Vinda de Colombo
Parte 12, final: "Nota do futuro - ou introdução à Teoria Zero"
Prefácio
"O que é a vida humana? Um milésimo de distração, num segundo de ironia, dum minuto da existência".
Após vários anos de uma vida nas ruas do mundo, Rúlio e Hoca, dois
Andarilhos Errantes, com histórias distintas, se encontram num banco de
uma praça e travam um diálogo filosófico irônico, jocoso, direto e reto,
em linguagem simples, facilmente compreensível a todos. Diversos são os
assuntos: Ciência, Filosofia, 'para onde caminha a humanidade', 'qual o
sentido da vida', 'amor, desprezo, solidão, otimismo, pessimismo,
realismo', a exploração espacial e a colonização de outros mundos, entre
outras coisas.
Este livro também reflete uma pequena
experiência pessoal nas ruas entre os 16 e 17 anos de idade, numa
primeira tentativa frustrada de sair da cidade pequena onde nasci para
tentar a sorte numa cidade maior em busca de trabalho, com a intenção de
cursar uma faculdade. Um pouco dessa história pessoal também está
presente nas histórias de Rúlio, Hoca e Elisa e ainda no livro: Um Diabo
Que Virou Mulher.
Contudo, essa não é uma autobiografia e muito
menos um história pessoal, é uma reflexão sobre a humanidade e, ao mesmo
tempo, um chamado às pessoas para observarem e refletirem que nem todos
os Andarilhos, Mendigos, Moradores de rua, sem teto, são ignorantes,
desocupados, drogados ou bêbados, como muitos preconceituosamente acham.
São, sobretudo, humanos que merecem o nosso mais sincero respeito e
compaixão.
Independente de como a pessoa se encontre em
determinado momento da vida, especialmente, na rua da amargura, ela tem
uma história de vida e, portanto, devemos antes de tudo dar o benefício
da dúvida, ter um mínimo de Empatia e analisar as coisas antes de emitir
alguma opinião e, sobretudo, procurar fazer algo de útil por aqueles
que realmente precisam e querem melhorar.
Empatia de verdade não
é se colocar no lugar do outro porque jamais se saberá o que de fato se
passa no fundo do coração, da mente e da alma do outro. Empatia de
verdade é, tendo completa noção de seus traços fortes e fracos, de suas
gigantescas falhas e imperfeições, sem culpas, sem máscaras e sem
julgamentos, sobretudo, sem querer parecer um santo ou guru, se
desapegar totalmente de si, no momento da interação com o outro, para
sentir o outro, sentir junto com o outro, procurando compreender o
máximo possível a essência de suas dores, sentimentos e emoções, para
depois, num outro momento, agir de maneira verdadeiramente construtiva e
positiva e, dessa maneira, exercitar e aprimorar a amabilidade total
junto com o outro, possibilitando, dessa forma, algum avanço no que
entendo como a realização da Atividade Re-humanizadora em sua plenitude,
na prática.
De fato, há muitas pessoas nas ruas que tentaram
ser melhores, ter uma vida melhor, mas falharam. Falharam e, diante do
desespero e das pauladas da vida, perderam todas as esperanças no mundo e
na vida e não querem nada mais além de se embriagar e se drogar dia e
noite até morrerem.
Essas pessoas, perdidas no vício das drogas,
já totalmente incapazes de raciocinar minimamente direito, precisam
urgentemente da atenção humanitária de todos, sobretudo, da atenção
psicossocial e a compulsoriedade das autoridades e das leis vigentes,
infelizmente. Mas, no entanto, há pessoas que apesar de todas as
tragédias, injustiças, e até mesmo das bebidas e das drogas, que querem
sair de tal umbral e melhorar.
Na realidade, nenhuma pessoa, por
mais louca que seja e por mais que diga em contrário, foi parar na rua
porque quis, por alegre, por achar bonito, sempre há um problema, uma
história, uma desgraça por trás de tudo. Há exceções, claro, como
Diógenes Laércio de Sinope (412-323 A.C), o cão, O Cínico, lá na
história para trás e alguns outros por motivos estritamente filosóficos e
cientes das consequências.
Contudo, a maioria das pessoas
que estão nas ruas só querem que os seus direitos 'lindamente' postos na
Carta Universal dos Direitos Humanos e nas leis vigentes sejam
cumpridos! A maioria das pessoas nas ruas, querem estudar, trabalhar,
ter uma casa, viver bem, ou seja, querem ser ajudadas e querem melhorar.
Os governos e os mega ricos (1% dos humanos que detém 99% das
riquezas da Terra), que se acham donos das cidades, dos países e do
Planeta, que tem condições de fazer algo para valer, não fazem nada ou
muito pouco, porque só pensam em si mesmos, em Ter mais e mais, acumular
mais e mais, e o pouco que fazem pela sociedade e pelas pessoas
carentes, pelos moradores de rua só o fazem para tirar fotos para suas
propagandas políticas populistas e demagógicas nas redes umbrais
sociais! Essa que é a verdade.
Em suma, o objetivo deste livro é
discutir Filosofia, Ciência, Sentido da Vida, Bem, Mal, Além, o futuro
da humanidade, as relações entre as pessoas, os problemas individuais e
coletivos, mas, também, é chamar a atenção das pessoas, através das
histórias dos Andarilhos Rúlio, Hoca e Elisa, para refletirem sobre a
situação da mega bolha do abismo social de miséria, injustiças e abusos
criminosos gerado pelo acúmulo de riquezas e refletir sobre os pobres do
mundo, especialmente, sobre os que praticamente não tem nada além da
companhia de um cachorro, um gato ou de outros Andarilhos e que tentam,
de toda maneira, sobreviver à dura vida nas ruas, muitas vezes, passando
uma vida inteira solitários e morrendo sozinhos.
Ou seja, este
livro também é um chamamento para que as pessoas reflitam sobre seus
conceitos e preconceitos em relação aos pobres do mundo, especialmente,
sobre os 'Moradores de Rua', os abandonados do mundo e tenham mais
Empatia, Compaixão, Respeito e Humanidade em relação aos que se
encontram nessa triste situação e que nada mais tem a perder.
Dados da ONU*, anteriores à Pandemia do Coronavírus, estimam que
existiam mais de 800 milhões de pessoas em situação de abandono, sem
teto, pelas ruas das cidades em todo o Planeta Terra. Nos EUA, potência
mundial, nação próspera, haveria quase 500 mil pessoas nas ruas, no
Brasil esse número passaria de 222 mil pessoas nessa situação.
Registre-se que, segundo a OMS, também há mais de 200 milhões de animais
de rua, especialmente, cães e gatos, muitos, companheiros dos mendigos,
andarilhos, moradores de rua, sem teto.
O problema só se agrava
em face da mega bolha do abismo social, causada pelo acúmulo absurdo,
criminoso e hediondo de riquezas, onde menos de 1% dos humanos detém 99%
das riquezas do Planeta. Além da evidente má vontade política dos
governos e dos que tem condições de fazer alguma coisa pelas pessoas e
pelos bichos em situação de rua mas não fazem nada ou muito pouco, a
dificuldade das instituições, ONG´s e associações humanitárias nacionais
e mundiais para fazer uma contagem mais precisa do número total dessa
multidão de gente e de bichos nas ruas, também prejudica a elaboração e a
realização de políticas públicas consistentes.
Resumindo: no
Pós-pandemia, é possível que haja mais de 1 bilhão de seres humanos
abandonados e "invisíveis", junto de pelo menos meio milhão de bichos
abandonados, igualmente "invisíveis" pelas ruas em todo o Planeta Terra.
É evidente que a coisa fica muito pior quando refletimos sobre a mega
bolha de abismo social, miséria, injustiças e abusos criminosos, que
joga pelos menos metade da população mundial, quase 4 bilhões de seres
humanos, em situação de pobreza e extrema pobreza, beirando a rua da
amargura, e essa multidão de gente, sem querer, acaba puxando todo o
resto para baixo, isto é, a outra metade da humanidade, quase 4 bilhões
de viventes, como a pessoa que está se afogando no rio quando puxa a
outra para o fundo), metade essa, dividida em classes de trabalhadores
comuns assalariados, média baixa, média alta, alta e mega ricos.
Os que estão embaixo se afogando na miséria do mundo, sem querer, puxam
os que estão em cima junto para o fundo, é um reação em cadeia à longo
prazo!Afinal, quando há um grande contingente de pessoas sem trabalho,
abandonadas pelas ruas, sem perspectivas de futuro melhor, sem esperança
de dias melhores, isso gera uma fortíssima tensão na mega bolha de
abismo social, pobreza, miséria e a infla mais ainda com a violência e
todos os tipos de problemas que devoram as cidades no mundo todo e,
claramente, diariamente, o movimento das coisas mostra que, cedo ou
tarde, tais problemas que só aumentam dia a dia, farão essa bolha
explodir e aí será um Pandemônio brutal, o caos total.
De fato,
diante de tanta miséria, injustiça e abusos criminosos, é só uma questão
de tempo para que essa mega bolha do abismo social exploda e detone
tudo em toda a parte. Até, é importante destacar, embora, atualmente,
haja alto teor de histeria em diversas correntes de pensamento
catastrofistas atuais, muita fake news, muita 'pós-verdade', muita
baboseira e teorias da conspiração, cada dia aumentam os rumores sobre
planos dos que acham que mandam no Planeta, para uma drástica diminuição
da população da Terra e que Pandemias piores que a do Sars-CoV-2,
guerras e crises econômicas, crises fabricadas, serão uma constante
daqui (2022) para frente. Contudo, como diria Stephen Hawking: "Enquanto
há vida, há esperança".
Enfim, este singelo livro, Andarilhos
Errantes, trata disso tudo e de diversos outros temas da Existência
abordados pela Filosofia ao longo da história da aventura humana na
Terra, de maneira simples, para todos entenderem. É a tarefa hercúlea de
transformar o que é complexo em algo simples, perfeitamente
compreensível à todos. Esperamos ter realizado essa tarefa a contento
dos que nos lerem.
"Diante da Imensidão Cósmica Interestelar, da
Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, ainda
somos meras partículas de poeira cósmica pensantes", também afirmará o
curioso Andarilho Rúlio. Um alerta para toda a humanidade e ao mesmo
tempo, uma reflexão sobre o que somos como indivíduos e coletividade,
tudo, redundando num rápido mergulho ao fundo da alma humana, é o que
pretende esse texto.
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Emerson Rodrigues
E-Kan
Parte 1: “Nem só de pão viverá o homem"
Nas
ruas, também haverão noites que você não dormirá nem a pau. E noites
que dormirá feito uma pedra, como se tivesse levado uma paulada na
cabeça. A vida é assim, um dia cheio de tesão e no outro procurando a
razão de existir do Universo. E quanto mais velho você fica, mais louca a
coisa fica.
De fato, nem tudo nesse mundo cão é dor e ranger de
dentes mas, na maioria da vezes, parece que levamos uma vida dos diabos!
Cansado das andanças sem sentido do dia e como se as tripas estivessem
sendo cozidas pela bebida de 300ª categoria, deito-me debaixo de uma
marquise às quatro da madrugada, com a esperança de dormir até mais
tarde, ou, se tiver sorte, não acordar mais, mas, não sei porque, talvez
só por sacanagem, a vida me mantém aqui junto a muitos outros como eu,
jovens, velhos, crianças, mulheres, cães, gatos, os abandonados, os
odiados, os rejeitados, os desprezados, os esquecidos, aqueles que o
mundo cão descartou.
Certa vez, um velho mendigo, Tango, me disse:
"dormir nas ruas é como dormir no purgatório, entre o Céu, o Inferno e
lugar algum. E mesmo às vezes choremos, não adianta chorar, muito menos
se perguntar o porquê de tudo. Ninguém vai escutar, porque nunca haverá
ninguém". E se alguém pensar que Tango se entregava, está muito
enganado. Ele foi o Andarilho mais iluminado que conheci nas ruas, de um
coração, de uma alma, de uma compaixão por tudo e todos e um amor
cósmico incomensurável. Certa vez, vi ele dividir a marmita que comprou,
com o dinheiro das latinhas de cerveja que catava, com todos os
Andarilhos ali presentes e ainda alguns cachorros e gatos, do lado da
igreja. Jamais me esquecerei daquela cena, sobretudo, quando olhei para
Tango e vi seu rosto que parecia transfigurado, como se fosse o próprio
Jesus Cristo, rindo, alegremente. Ao sentar perto de mim, o velho e
sábio Tango, pôs-se a cantar uma canção mexicana que diz:
"Com dinheiro e sem dinheiro
Faço sempre o que quero
E a minha palavra é a lei
Não tenho trono nem rainha
Nem ninguém que me entenda
Mas continuo sendo o rei"_(Música El Rey, de Composição de José Alfredo Jiménez e famosa na voz de Vicente Fernández).
"As
pessoas gostam de fazer barulho. É como se fazer barulho as distraísse e
as afastasse de seus demônios. Mas os demônios de cada um estão dentro
de cada um", dizia Tango. "Dizem que é necessário, que é preciso! Bando
de otários. Bonecos, marionetes, escravos, meros pagadores de impostos
que bancam a vida boa dos políticos que não valem nada! Iludidos da
vida! É o que são! A maioria parece que já morreu e esqueceu de cair! A
maioria não faz nem ideia do que é a vida. O louco irlandês, Oscar
Fingal O'Flahertie Wills Wilde disse certa vez: “Viver é o que há de
mais raro neste mundo. Muitos existem, e é só", asseverava Tango em seus
momentos de plena inspiração.
Eu dizia a ele: todos tem seus
motivos para serem o que são, fingirem ser o que não são e fantasiar o
que nunca serão. Às vezes, para a maioria das pessoas, as ilusões são a
única tábua de salvação, o único meio de suportar a vida nesse mundo
cão. Entretanto, concordo, Tango, como gostam de fazer barulho! E Tango
ria, e saia em silêncio, olhando para o chão, com as mãos para trás,
imerso em pensamentos.
De fato, Tango tinha razão, nem bem o Sol do
outono dá a cara e já estão nas ruas feito loucos, andando, correndo,
falando, gritando, buzinando, tudo para pagar seus impostos e se
iludirem com uma vida de sonhos que jamais realizarão.
Há louco para
tudo nesse mundo, mas não há mundo suficiente para todos os loucos.
Imaginem que, em algum momento da insana Idade Média, muitos acreditavam
que algumas pessoas geniais, que falavam, pensavam, liam, estudavam,
pesquisavam e se aprofundavam em conhecimento, eram 'doentes mentais'.
Pior, em dado momento desse período diabólico da história, muitos
acreditavam que os que eram declarados 'doentes mentais', tinham uma
pedra na cabeça que precisava ser removida. O pintor Hieronymus Bosch
(1450-1516), em sua pintura, 'A Extração da Pedra da Loucura', ironiza a
canalhice insana dos que achavam que os gênios eram loucos e que os
loucos tinham uma pedra na cabeça dizendo, nas pinturas, que na verdade
não se tratava de uma pedra, mas de uma planta, uma Tulipa, que
tornara-se, doravante, um símbolo da beleza e da ternura, sobretudo, da
genialidade. Em resumo, os imbecis da humanidade, os verdadeiros loucos
diabólicos, fizeram isso antes e o farão de novo. Ou seja, cedo ou
tarde, a ditadura da idiotice e a mega bolha do abismo social explodirão
e toda a loucura virá à tona. Nesse dia, será o 'salve-se quem puder
total'. Há quem tenha esperança de que os loucos geniais ainda salvarão a
humanidade.
Mas, enquanto o mundo humano cão não se afoga no
próprio sangue, uns fodem, outros roubam, uns vão à igreja, outros ao
trabalho, e alguns à quem o destino, a sorte ou o acaso privilegiaram,
de vez em quando, podem repousar até mais tarde. Não é uma bênção? Desde
que não fôssemos perturbados! Não fossem as luzes, odiaria ainda mais o
centro da cidade. Jurei à mim mesmo: ‘não dormirei mais debaixo das
marquises’, porque sempre tem um filho da puta, com ódio da merda que é
no mundo, querendo meter fogo num 'morador de rua'.
O frio das
cidades do Sul lembra Moscou. Já estive lá. Aliás, já estive em vários
lugares e agora estou finalmente em mim mesmo, o que dá na mesma merda. A
biblioteca municipal abre só as nove. Até lá, vou trocar umas moedinhas
sujas, enlameadas, que por acaso achei no chão, por um singelo pãozinho
com um copo de café. Afinal, todo trabalhador, especialmente, um
trabalhador cerebral, deve ter o direito de pelo menos ter um café pela
manhã, não é?
Andando pelas ruas podemos notar como o mundo anda
impressionantemente idiota e violento. Basta você observar as pessoas
andando feito zumbis com seus celulares, os prédios, os telões, as
propagandas, os carros, os crentes nas portas das igrejas, as
prostitutas nas esquinas, os bêbados, os pobres preguiçosos, os
vagabundos, os nóias nas praças, os ricos babacas e os politicopatas,
todos, a perambular pela cidade, cada vez mais suja e violenta, mas com o
celular grudado nas mãos.
Todos seguindo, cada um atrás de
novas-velhas ilusões, imersos nas redes umbrais sociais. Outro dia, vi
dois homens brigando por causa de um pequeno acidente no trânsito. Uma
discussão, poucas palavras, muitas balas, gritaria, polícia, ambulância e
um cadáver no meio da via. Menos um no mundo, infelizmente, e por causa
de que? Coisas materiais, ego, orgulho besta, ignorância. Duas famílias
destruídas. Um morto, outro na cadeia. E após o IML ir embora com o
defunto, tudo voltou ao 'normal', como se nada tivesse acontecido. Mas
enquanto o cadáver lá estava, uma multidão de pessoas fazia vídeos com
seus celulares. Esse, o mundo cão dos dias de hoje. É óbvio que sempre
foi assim, mas agora parece que piorou.
Em meio a tanta loucura, uma
coisa é certa, ninguém dispensa os bons e velhos andarilhos, nem mesmo
um mundo cão que se alcunha de 'moderno'. De fato, existimos na Fenícia,
na Suméria, na Grécia, em Roma, atravessamos os milênios e cá estamos
nesse mundo insano. Se continuarmos nessa ‘vibe’, quem sabe um dia
sejamos imortalizados! Se fôssemos desapegados das coisas de verdade,
creio, fundaríamos uma academia, como a de Platão ou de Diógenes
Laércio, “O Cão, O Cínico”, meu preferido logo depois de Nietzsche e
Bukowski.
A vida é bem louca mesmo, não é? Semana passada, a
algumas quadras da padaria onde barganho meu café, encontrei uma moça na
calçada. Ela tinha um cheiro estranho mas um lindo sorriso e devo
dizer, curvas do tipo que faria até o mais hábil motorista capotar.
Alguns, pseudo-românticos de boteco, disseram que "as mais belas curvas
de uma mulher, são as do seu sorriso". Besteira. Todas as curvas de uma
mulher importam. As curvas onde todo homem um dia se perderá, tombará e
capotará. O resto é apenas o resto, idealização.
Essa moça, de
estranho cheiro, de sorriso Apolíneo e, ao mesmo tempo, Dionisíaco, se
dizia Hippie e também se dizia ‘fora do sistema’. Demorei-me alguns
instantes observando ela.
Mas, você está fora do que? Perguntei.
Do sistema cara! Sabe? O sistema? Ela disse.
Mas
são tantos sistemas, que temos de definir sobre qual sistema estamos
falando, se é político, social, moral, financeiro, religioso, ideológico
ou do raio que o parta...Disse a ela.
E ela respondeu, sorrindo:
Cara! Que o diabo me leve se tudo não for a mesma merda! Porém, eu me
refiro ao sistema dessa vida aí, você sabe! Desde pequeno você é
treinado a fazer o que é “certo”, não fazer nada de “errado”. Desde
pequeno, alguns panacas nos disseram para sermos “alguém” e 'ai'
de nós se acabássemos como “zé-ninguém!'. Saca? Sabe, tudo isso, essas
coisas desse sistema de vida, é uma grande bosta, uma droga mesmo! Essa
sociedade que exige as tripas e o coração de nós, caga para nós, para o
indivíduo, não dá oportunidades mínimas para sermos melhores, que dirá
sermos o que queremos ser. Entende?
Mas eu não faço parte dessa
droga toda mais, não colaboro com essa hipocrisia, minha vida é
alternativa, como a sua. Você dorme aí pelas ruas, vai à biblioteca,
caga no mato, mija nos postes da praça, anda de cidade em cidade como um
fantasma, estamos fora do sistema, sacou?
Pensei comigo: que mulher louca! Mas disse-lhe: compreendo.
À
medida que ela falava e falava muito, eu me divertia com suas ideias
alternativas e com aquele estranho e belo sorriso, muito bem encaixado
naquele corpo de curvas muito atrativas. Contudo, para mim, como penso
ser a existência humana algo vazio de sentido, tanto faz.
Sim! Para
mim tanto faz se estamos dentro ou fora de alguma coisa. Eu que conheci
muitos lugares, viajei o mundo, frequentei os mais pomposos círculos,
tive o prazer e a honra de ter as mais diversas mulheres na vida e na
cama, agora, naquele instante da existência, me comprazia ao olhar
aquele Ser que parecia ter engolido um rádio.
E naquele instante,
como que tivesse uma regressão, me veio à memória momentos em que a
ilusão de viver em sociedade me fazia acreditar, ridiculamente, que a
vida humana teria algum sentido, algum porquê, que a felicidade podia
ser alcançada e contínua, que o amor muda a tudo e a todos. Tudo uma
grande idiotice! Uma tremenda ilusão!
Recordava-me de Pepita
Monserrá. Mulher doce e amável, que prometendo o paraíso quase me levou
junto para o inferno, não fosse o cornudo do seu marido ter errado de
quarto e quase assassinado a outro casal.
Sim, foi em Paris, quando o
mundo ainda tinha graça e as pessoas não matavam por qualquer bosta.
Não sei porque, mas o sorriso daquela louca me trazia tais recordações.
Para
ver que mesmo na desgraça, na indigência humana, algo nos faz lembrar
de instantes únicos, instantes em que tocamos algo belo e ao mesmo tempo
louco, perigoso, mortalmente prazeroso.
Quando voltei a mim, voltei a
dar atenção ao que me dizia aquela belíssima Hippie fora de época, e
que me convidava para fazer-lhe companhia.
Ela disse: que acha de
viajarmos juntos por aí? Eu te ensino a fazer meus trabalhos, dividimos
os lucros, a comida e a bebida que conseguirmos, enquanto observamos as
formigas no seu dia a dia, que me diz?
Então, lhe respondi: olha, até
que sua proposta me parece interessante, mas... mas... (a vida tem
muitos mas) Eu ando sozinho, entende? Não é nada contra, só que esse é
meu jeito de ser, entende? Eu gosto de ‘estar’ com as pessoas, para mim
não há nada mais divertido, porém, viver com elas me é impossível.
Prefiro apenas ‘estar’, como estou com você, aqui e agora. Logo mais
estarei em outro lugar e pode ser que algum dia, talvez numa outra vida,
‘estejamos juntos’, num outro momento, mas nessa vida, não conseguiria
viver com ninguém por muito tempo...
Meio abismada, ela disse: isso é
bem estranho, louco, solitário e idiota. Você estar e logo não mais
estar. Ou você é muito esperto ou tremendamente burro...
Eu: talvez
os dois? É sério! Não consigo viver com as pessoas. Não por muito tempo!
É tipo uma certa anedota que diz: 'Jesus te ama porque não convive com
você". Quero dizer, você acha que pode ser legal passar um tempo comigo,
mas não me conhece. Eu me conheço e sei o quão chato ou perturbador
posso ser. Entende?
Ela: acho que não. Você é ‘diferentão’. Apesar de
ser um andarilho como diz, anda razoavelmente cheiroso, limpinho. Você
não parece ser o que é. Fugiu da cadeia ou de um manicômio?
Eu: que ironia! Também penso que você não é o que quer parecer ser.
Ela:
talvez, se tivesse te encontrado numa outra vida, teria me casado com
você! E depois te deixado, partido seu coração, como convém a todas as
mulheres inteligentes e honestas consigo mesmas.
Eu: é mesmo? Então você não é daquelas que juram querer ficar junto para sempre?
Ela:
alguns homens que se acham espertos, mas andam por aí pela vida feito
bêbados, querem ouvir só o que eles querem ouvir. Não querem ouvir e nem
ver a verdade. Na maioria das vezes, as mulheres só precisam dos homens
para não se esquecer de que são mulheres. Apenas isso...
Eu:
compreendo você. Mas isso não me surpreende, porque as mulheres também
adoram mentiras sinceras, e se esquecem de que os homens só as querem,
na maioria das vezes, para sentirem-se homens.
Ela: isso é machismo ou egoísmo?
Eu:
talvez realismo? Mas tanto faz! Não caio nessas modinhas
pseudo-intelectuais, que são manobras de espertalhões de partidos
políticos para dividir o povo e, assim, enquanto o povo briga, eles
vivem como reis no Poder. Penso que somos todos meras partículas de
poeira cósmica pensantes e, de fato, ninguém é melhor que ninguém, nem
por ter dinheiro, nem por ser diferente, nem por tentar ser aquilo que
quer ser. Respeito o Espírito em Revolução e Evolução que somos, embora
ainda sejamos apenas infinitamente pequeninos diante da imensidão
cósmica, da incomensurabilidade da vida, na inefabilidade da
Existência. Isso é clichê, mas foda-se, a verdade é que somos todos a
mesma merda no tabuleiro da vida, e no final todos acabaremos como um
monte de peças usadas, na mesma caixa, rumo ao Desconhecido dos
desconhecidos.
Ela, sorrindo como uma menina mulher malandrinha,
diz: bem, de qualquer forma, as mulheres precisam dos homens para alguma
coisa, assim, vemos que vocês não são tão inúteis.
Rimos juntos, então lhe disse: parece que até o inútil é algo útil!
Ela: que engraçadinho...
Eu: como você se chama?
Ela: Elisa, e tu?
Eu: Rúlio.
Ela: com J?
Eu: não, com R mesmo.
Ela: interessante, deve ter alguma história por trás desse nome, não quer me contar? Senta aqui!
Eu: adoraria compartilhar com você, Elisa. Mas eu preciso ir.
Ela: já?
Eu:
sim, tenho de tomar meu café, antes de ir trabalhar e antes de tomar
minha dose diária do meu conhaque barato. Só não te convido, por que
estou tão quebrado quanto o Mundo.
Ela: não sabia que o Mundo estava
tão quebrado assim, com tantas riquezas. Mas, vamos fazer assim: você
paga o seu e eu o meu, ok? Rúlio?
Eu, meio reticente: é que...
Ela: não seja chato, (juntando os troços de Hippie do chão), vamos? Trabalha em quê?
Eu: sou um trabalhador cerebral, embora as coisas da minha mente não sirvam para bosta nenhuma.
Ela: não sei como é possível isso, ‘uma mente que não serve pra bosta nenhuma’, mas enfim... Me conta no caminho. Vamos? Rúlio?
Eu: já estamos indo!
Parte 2: A padaria do protervo, o gordão desbocado
Normalmente,
tenho o café da manhã, por mais miserável que seja, como um ritual. E
por ser raro para mim, estou sempre solitário. É melhor assim. Sento-me
na cadeira no canto da padaria. Fico olhando as pessoas que me olham
como se eu fosse um saco de bosta ou um terrorista.
Sinto-me dentro
de um drama disfarçado de comédia. Outrora, uma comédia, disfarçada de
tragédia. Só aceitei a companhia de Elisa, porque ela me parece
agradável, me diverte, mesmo eu duvidando que ela tenha algo que preste
na cabeça.
Se eu vivia como um cão, vagando entre a assim alcunhada
‘humanidade’, essa mulher parecia uma cadela. Trazia consigo apenas uma
trouxinha, com seus apetrechos, roupas surradas, meio rasgadas, e
penduricalhos no pescoço e nos ombros, que se misturavam ao longo cabelo
ruivo, o qual descia até a cintura fina, ora se espalhando para frente,
entre os fartos seios, quase à mostra. Impressionava-me como uma mulher
conseguia sobreviver ao mundo insano e violento nas ruas, sem nada e
sem ninguém! Para mim, que ainda sou homem, que já tive de tudo, que
conheci os dois lados da moeda, riqueza e miséria, tudo é muito difícil,
imagina para Elisa?
Nota explicativa sobre Puto e Puta
[...]
Na mitologia romana, de acordo com Arnóbio, Puta é uma deusa menor da
agricultura, que preside a poda das árvores. De acordo com uma versão, a
etimologia do seu nome viria do latim, e seu significado literal seria
"poda". Os festivais em honra a esta deusa celebravam a poda das árvores
e, durante estes dias, as suas sacerdotisas manifestavam-se exercendo
um bacanal sagrado (durante o qual se prostituíam) honrando a deusa, o
que explicaria o significado corrente do termo "puta" e suas variações
nas línguas românicas. [...]_1
[...] 'A palavra puto vem do latim
«putu-» que significa menino, rapazinho. Em Portugal, puto é garoto;
miúdo; catraio. Em sentido vulgar, é indivíduo desprezível. Contudo, no
Brasil, puto também é masculino de puta, significando, como adjectivo,
chulo, corrompido, devasso. Não tem, portanto, o sentido que lhe é dado
em Portugal, pois naquele país existe o termo guri, que vem do tupi,
para designar o garoto, o catraio, etc. Ainda, neste país, puto seguido
de um substantivo (com ou sem preposição de, seguida de artigo ou
contraída com ele) corresponde a uma qualificação depreciativa ou
apreciativa de coisa ou pessoa designada pelo substantivo. Exemplos:
«Não tinha um puto vintém»; «Escreveu um puto dum romance». Como
substantivo masculino, significa ainda homossexual, indivíduo dissoluto,
etc' [...]_2
De volta à padaria
Ao chegarmos à padaria,
‘seu Manoel’, um portuga boca suja, abria sua bocarra cheia de dentes,
alguns de ouro parecendo um cigano, e movimentando seu bigode ridículo,
com sempre fazia, dava as ‘boas vindas’: Puto! Puto Rúlio! Quanto tempo!
Encontrastes uma bela ‘puta’ ein? Eu o detestava por isso, mas o que
podia fazer, se ele me aguentava na sua birosca?
Confesso que ao ser
recebida com a palavra ‘puta', temi que Elisa o xingasse de tudo quanto
é nome. E aí seria o fim do meu café, já que outros lugares raramente
permitiam a entrada de ‘andarilhos’.
Porém, por sorte, ela não deu
muita atenção a Manoel e foi sentar-se, justamente no lugar onde eu
sempre sento. Mas, como sou desapegado de tudo, não tive muita
resistência e cedi meu lugar para a ruivinha.
E enquanto fui ao
banheiro certificar-me de que os olhos ainda estavam no lugar de sempre,
Manoel, o cara de pau, tinha deixado um pão e um café para mim e um
sanduíche para Elisa. Ao ver aquilo, perguntei se ela tinha teimado e
pago tudo.
Elisa respondeu: o senhor bigodão ali disse que era cortesia.
Eu, desconfiado: mas que bondoso está Manoel hoje!
Ela: ele me fez uma proposta.
Eu: que proposta?
Ela:
se eu for ali atrás do biombo e colocar a minha boca onde ele indicar,
me dá almoço, janta, um banheiro onde me lavar e mais cem contos!
Eu, espantado, mas nem tanto, digo baixinho: que grande filho da puta ‘seu Manoel!'.
Ela, rindo como uma dama da vida que não dá a mínima para o que as pessoas acham ou deixam de achar, disse: o que você acha?
Eu: realmente, nesse mundo insano, algumas coisas são mais fáceis para as mulheres...
Ela: pera ai! Nem sempre faço isso! Somente em fases de grandes necessidades!
Eu:
sei! Não estou te julgando! É que não imaginava que você fosse
assim...E eu não faço sexo só por esporte... Aliás, faz tempo que não
faço nada, além de... deixa pra lá!
Ela: eu também não, Rúlio! Faço por necessidade, por gostar e quando estou a fim, faço com gosto...
Eu: você está a fim? Então, faça o que você está a fim de fazer, ué!
Ela, loucamente sorridente, como sempre: espera-me aqui, tá!
Passei
a mão no rosto, desiludido e vi Elisa, a ruiva, com seu cabelo
comprido, seu bumbum grande, suas pernas grossas e seus seios fartos,
uma maravilha da natureza que qualquer homem mataria para se acabar com
ela, ir até atrás do biombo do ‘puto’ Manoel!
Não restando outra
coisa a fazer, senão praticar a ataraxia, (tranquilidade da alma,
ausência de perturbação), comi meu pão que o puto Manoel amassou, tomei
meu café, lustrei minha garrafinha de conhaque.
Alguns minutos se
passaram e Elisa voltou. Sorrindo um sorriso lunático e silencioso,
aquele sorriso que apenas as pessoas que vivem no extremo pelas ruas
desse mundo insano, têm. Observando aquela mulher, notei que não havia
vergonha alguma em sua face, talvez um misto de loucura e tristeza
eclipsadas pelo sorriso quase lunático.
Ela: não olhe para mim como
se fosse meu pai ou meu marido, não me julgue e saiba que muitas
mulheres, vistas como sérias na sociedade, fazem muito mais do que eu
acabei de fazer com o Bigodão e por muito menos!
A maioria delas
está por aí, se desdobrando em empregos que odeiam, ao mesmo tempo em
que cuidam de maridos idiotas, de filhos ingratos, e, outra parte,
igualmente numerosa, está a fazer tudo isso e ainda a lutar pelos
direitos das mulheres. Já ouviu falar da Belle de Jour? Foi uma das mais
famosas prostitutas do mundo e vivia na Inglaterra. Claro, ela era
prostituta de luxo, ganhou muita grana porque só saiu com ricaços.
Depois de um tempo ela escreveu um diário para um jornal famoso de
Londres e nele contava que muitos de seus clientes a tratavam muitíssimo
melhor do que os namorados que teve e demais homens com quem ia a
encontros românticos. Inclusive, um desses imbecis que se achava
'namorado' e 'dono dela', ameaçou revelar sua verdadeira identidade mas
antes que o otário fizesse, ela mesma o fez e o mundo ficou conhecendo a
verdadeira Bella de Jour de Londres, Drª Brooke Magnanti, uma
estonteante loira que pesquisava o câncer infantil. Na época, Belle de
Jour, Brooke, disse que se prostituía para ter grana para seguir com os
estudos científicos. No fim, por causa da reviravolta na sua vida, ela
deixou de lado tais estudos e seguiu como escritora. Quanto à mim, não
sou prostituta, mas como Belle de Jour, faço tudo o que quero e quando
quero, por dinheiro mais também porque tenho vontade e ninguém tem nada a
ver com isso. Espero que isso não seja um problema para você!
Eu: se
esse tipo de coisa fosse um problema eu refletiria sobre ele, mas não,
não vejo como um problema. Sério. Para mim tanto faz! Tudo nessa vida é
uma mera distração antes da ‘noite eterna do tempo’, como diria Raul
Seixas!
Ela: sei... Olha só, tenho cento e cinquenta contos, podemos
ir a um motel barato, depois vazar para outra cidade amanhã, e se
quiser, podemos curtir, nos ‘distrair’.
Eu: Elisa, sabe que estou de
saco cheio dessa bosta de cidade e dessa gentinha retardada, com suas
caras de moralistas pau no cu? Confesso que sinto uma vontade enorme de
passar um tempo numa cidade pequena. E já que não há mal nenhum nisso,
aceito tua proposta, mas com uma condição!
Ela, achando graça: eba! Que condição?
Eu: dormiremos em camas separadas ou eu durmo no sofá, ou no tapete, pois não quero me ‘distrair’ além da conta.
Ela: Você é viado? Bichona?
Eu, rio e digo: não, porra!
Ela: chato você! Mas, tudo bem! Vamos embora! A vida nos chama para novos momentos!
Parte 3: Breve lembrança
Antes
de sairmos da padaria, Manoel, o sem vergonha, veio até mim e me disse:
meu bom puto! Venha mais vezes e traga a sua amiga!
Olhei fixamente nos olhos daquele portuga desbocado e, novamente, veio à tona um episódio grotesco que vivi na África do Sul.
Na
ocasião, estava visitando o país na condição de pesquisador, atrás de
espécies exóticas de peixes e outros seres do mar. Nem sei porque diabos
fazia tal pesquisa. Mas, lá encontrei muitas coisas exóticas.
Fiquei
quase um ano em Zanzibar. Após a “partilha da África” (1880-1913), o
arquipélago, tornou-se um recanto de ingleses e alemães, depois se
tornou muito frequentado por Árabes e outros povos. Um lugar belo, às
margens do Oceano Índico. Além de peixes exóticos, Zanzibar também tem
coisas especiais como cravinho, canela e pimenta.
Em nesse fim de
mundo, conheci Harare. Nunca vi uma negra tão bonita e atraente quanto
Harare. Ela era mulher de um pobre pescador. Homem de pavio bem curto, o
marido de Harare jurava matar quem se aproximasse da mulher com
segundas e terceiras intenções.
Mas, de vez em quando, sem o saber,
ou se fazendo de burro, ele abria certas exceções aos Ingleses que
enchiam seu cu de graveto, ludibriando-o e enchendo sua bola ao comprar
seus pescados.
Os sacanas dos Ingleses convidavam Harare e seu
esposo para irem a reuniões onde também estariam as outras esposas. O
marido ignorante e que às vezes se fazia de idiota, a deixava ir a tais
encontros e pedia para justificar sua ausência porque estaria no mar
pescando.
No lugar de senhoras inglesas, estavam alguns oficiais
Ingleses que davam a Harare do bom e do melhor, até certas substâncias
que literalmente faziam baixar a ‘pomba gira’ na mulher.
Harare se
desnudava e como uma grande vagabunda dava para todos os ingleses
canalhas presentes na orgia. Alguns eram até 'viados', mas participavam
da coisa, segundo me confessou Harare um dia, enquanto fodíamos atrás de
uma birosca dos pescados do marido de pavio curto e que se fazia de
burro. Vai ver, ele gostava de imaginar a mulher dando para outros. Tem
muito idiota que gosta disso.
E mais uma vez, repito, acontecem
coisas muito loucas na vida, e mesmo na desgraça, na indigência humana,
algo nos faz lembrar de instantes únicos, instantes em que tocamos algo
belo e ao mesmo tempo louco, perigoso, prazerosamente mortal,
mortalmente prazeroso.
Despedimo-nos de Manoel, o protervo, o portuga
gordão e desbocado, e vazamos, passando o dia pelas ruas, como cães de
rua, e à noite fomos para a pocilga apelidada de hotel.
Parte 4: O hotel podrão
O
lugar parecia abandonado, cheio de ratos, baratas e fedia a velhos
morrendo. Mas, ficava do lado da rodoviária, o que facilitaria para
pegar o ônibus após uma noite de bebedeira e fodelança.
Tomamos um
banho no chuveiro frio, mas tudo bem, fazia um calor de lascar. Nos
alimentamos comendo umas maçãs que Elisa tinha na sua tralha de Hippie.
E
antes de deitarmos, ela tirou um negócio de uns dos bolsos da velha
jaqueta, desembrulhou aquele troço, um pó branco e colocou na mesa.
Espalhando com o cartão do SUS fez duas carreiras. Adivinhe para que
serve uma nota de R$ 2 reais?
Depois daquilo ainda bebemos umas
cervejas que Elisa tinha pego na portaria da pocilga. Falamos sobre
tudo, andanças loucas, filosofia e até sobre as fodanças. Mesmo ligado
no 220, deitei-me num sofá velho, empoeirado, enquanto Elisa fazia mais
duas carreiras daquele pó e dançava ao som de um celular velho com a
tela quebrada, que sabe Deus como ela conseguiu. Tocava uma música do
Johnny Cash, ‘Ghost Riders in the Sky”. Elisa estava ‘loucaça’. E eu
quase apagando, meio delirando e muito bêbado. De repente, ela não
parava de me olhar, parecia Urubu manjando uma carniça. Ela veio se
chegando, tirou a velha jaqueta e vagarosamente deitou-se ao meu lado no
sofá.
Fingi que já estava apagado. Elisa deitou com aquela bunda
maravilhosa se esfregando em mim. Forcei um sono, como se fosse um
estoico, apático. Ela se mexia, enroscando aquela bunda no meu pé de
mesa por cima da calça.
Noite quente? Disse Elisa.
Eu: tá calor mesmo e você ainda vem deitar aqui comigo.
Ela: me deu vontade.
Eu: sei.
Ela: ficou imaginando quando eu estava lá com o Manoel?
Eu: porra, nem quis estragar minha alma mais do que já está estragada, imaginando aquele barrigudo bigodudo com você.
Ela: Manoel disse que tem esposa, mas que ela não dá para ele faz tempo, e por isso, Manoel não a suporta mais.
Eu: claro, esse é o papo mais comum que se ouve por aí.
Ela: quanto tempo um homem consegue ficar sem entrar numa mulher, sem sexo, sem putaria, sem gozar de verdade?
Eu: depende de cada um. Eu não me importo com mais nada nessa porra de mundo, então, não sinto mais prazer por nada.
Ela: ah é? E essa coisa tomando volume aí por dentro da calça? Está excitado?
Eu: Não...
Ela: e agora que minha mão está pegando nessa coisa enorme?
Eu: não sinto nada ainda.
Ela: e seu eu tirar esse negócio para fora e botar minha boca toda nele?
Eu: tanto faz...
Elisa fez o que disse que ia fazer enquanto dizia: que coisa enorme você tem Rúlio, adoro isso.
Eu: puta que pariu, Elisa!
Ela: Que gostoso!
Elisa
tinha métodos estranhos para conseguir o que queria. E ela sempre
conseguia. Se fosse mais esperta já estaria na alta sociedade podre de
rica com aquele corpo de curvas perigosas e aquela boca magnífica. Eu,
apesar da reação natural do corpo físico, me sentia apático, como um
boneco de plástico sendo chupado por uma louca.
Entretanto, depois de
tantas manobras naquele sofá, cheguei à conclusão de que uma certa
frase bíblica faz algum sentido quando diz: “nem só de pão viverá o
homem”.
Parte 5: Prisioneiros do acaso
(Mudança de pessoa na narrativa alternando entre 1ª e 3ª pessoa)
Rúlio
falou feito louco, quase sussurrando e de repente, calou-se, se
perdendo num insano silêncio. Ficou ali parado embaixo da janelinha
olhando para o pouco do céu estrelado que ainda era possível visualizar.
Depois
de um tempo, o companheiro de cela interrompeu aquele lunático silêncio
e perguntou: caralho cara! Como você veio parar aqui?
Rúlio,
contemplativo, disse: meu caro amigo desconhecido, uma mulher pode levar
um homem ao céu ou ao inferno em ‘dois palitos’, mais rápido que um
raio ou uma diarréia, sem saber, apenas com suas curvas e com seu
sorriso. Muitas vezes, uma mulher nem tem a intenção de te levar ao
inferno, mas leva, basta lembrar de Adão e Eva.
Como havia relatado,
dormimos naquele hotel podrão. Levantamos cedo e fomos para a
rodoviária. Pegamos o busão, descemos nessa cidade e quando ainda tomava
um trago do meu conhaque, homens que se diziam policiais nos abordaram e
nos revistaram. Nas tralhas de Elisa encontraram um pouco daquele pó
que liga as pessoas no 220. Não deu outra, os caras resolveram levar ela
para a cadeia. Mas, eu gritei, ei caras! Eu estou junto com ela!
Ela
olhou para mim, meio espantada, e disse: você é doido? E eu olhando
sério para ela, como se não existisse mais ninguém no mundo naquele
momento, nem policiais, nem pessoas fingindo serem certas, nem cachorros
andando em meios aos Índios que ficam na rodoviária, ninguém, disse
sorrindo, contente: ‘é bem provável que eu seja um lunático, Elisa’.
Ela sorriu de volta como nunca vi uma mulher sorrir antes. E então fomos trazidos para esta cadeia.
Como
não tenho documentos, me deram um crachá e me acusaram de um monte de
coisa que nem eu, por mais lunático que seja, imaginaria fazer.
E
agora faz uma semana que estou nesse buraco contigo. Preocupo-me com
Elisa, embora não dê a mínima para as pessoas neste mundo. Os canalhas
da lei não dizem onde enfiaram ela. Que fim levou Elisa?
Dito isso, Rúlio deitou na cama suja da cadeia.
O
amigo desconhecido disse: mas, bicho, pelo que você me disse, eu
acredito em você. Eu conheço um bandido de longe, e você não tem jeito
de bandido. Você é apenas um andarilho. Não fez merda nenhuma. Não pode
ficar preso aqui.
Rúlio disse: tanto faz!
Amigo: como assim? Tanto faz? Deixa de ser burro meu!
Rúlio:
olha amigo, talvez você nem vai acreditar, mas eu rodei esse mundão,
fiz tantas coisas, vivi tão intensamente que nem percebi a vida passar.
Mas, te digo, tudo não passa de uma mera distração. Talvez, nem seja
perda de tempo, pois, não podemos perder o que nunca tivemos.
Amigo: você acredita em Deus?
Rúlio: acredito no que você acredita amigo.
Amigo: mas e se eu não acredito em Deus?
Rúlio: mesmo assim, acredito em você que não acredita.
Amigo: palavra que não entendo o que me diz!
Rúlio:
é que para mim tanto faz se existe ou não, se vamos queimar eternamente
no inferno ou se vamos para o céu ou se tudo acaba ou se vamos para
qualquer outro lugar.
Amigo: acho que estou começando a te entender!
Rúlio:
você é um bom amigo. Vou te dizer, que vejo a vida de uma forma
diferente e penso que cada um a vê diferentemente. Acontece que a
maioria abandona seus pensamentos, suas opiniões particulares, para
abraçar a opinião dos outros como se as opiniões dos outros fossem 'a
verdade absoluta'. Para mim, isso é o sentido negativo da palavra
Coexistência. Penso que temos que Coexistir, nos respeitar e nos
entender em todos os sentidos, em todos os cantos da Terra, mas não
temos que tomar a opinião de um homem ou mulher como se ele ou ela
fossem 'o caminho, a verdade e a vida', e como se essa opinião fosse
verdadeira e estivesse acima de qualquer dúvida. Entende?
Amigo: ah, você está falando de Jesus Cristo, não é? Ele indicou a si mesmo como a própria verdade e a vida! É isso, né?
Rúlio:
Jesus, Buda, Dalai Lama, Confúcio, Maomé, Moisés, Sócrates, o que esses
caras pregavam? Não era 'a paz?'. Entre muitas coisas, a paz como
condição para a felicidade, aqui e em outro lugar?
Amigo: acho que sim, não?
Rúlio:
então meu amigo, fico pensando por que seus seguidores derramaram e
ainda derramam tanto sangue? Por que semearam e ainda semeiam tanto
ódio, tanto fanatismo? Por que ainda hoje se dividem e se detestam?
Amigo: talvez porque uns querem ser melhores que os outros.
Rúlio:
talvez! Mas a questão é, como é que pode milhões, talvez bilhões de
pessoas abdicarem da própria razão e tomar a pretensa verdade de um
homem como se isso fosse a mais certa e normal das coisas? Enfim, isso
me parece tremendamente idiota, parvo. E pior, a coisa só piora porque
cada vez mais aumenta o número de idiotas e fanáticos que não querem
nada com nada nesse mundo a não ser idolatrar, endeusar, fanatizar. Não
estão nem aí para a razão e a porra dos grandes problemas do mundo. Ou
seja, nada mudará para melhor nesse mundo com tantos idiotas e
fanáticos. Por isso, para mim, tanto faz!
Amigo: o que é isso? Parvo?
Rúlio:
quando um dia você entender que a tua existência tanto faz para o
Universo, você se tornará tão indiferente quanto ele. Então você
entenderá o significado de Parvo e verá que tudo isso é muito parvo!
Amigo: mesmo não sabendo o que é isso, você me parece muito parvo! Algo que não sei dizer o que é!
Rúlio:
há muitas coisas que damos nomes e sequer imaginamos ou desconfiamos se
elas são isso mesmo. Nós humanos, nos achando 'a única forma de vida
inteligente do Universo', chamamos aquilo que brilha à noite de
'Estrelas'. E, assim, pretendemos que elas sejam o que nós chamamos.
Como se essa fosse 'a verdade absoluta'.
Amigo: muito louco isso! Irado! Mas, acaso poderíamos chamar as Estrelas de outra coisa?
Rúlio:
certamente que sim. Mas, me refiro especialmente a questão que surge: a
pretensa verdade humana é a única? Ou melhor, nós somos os únicos no
Universo a dar nomes às coisas?
Amigo: você é bem doido! Será que há vida e outros Planetas? Vida inteligente?
Rúlio:
não sei, mas a questão é exatamente essa: e se existir? Como ficaria a
nossa verdade? Como ficaria nossos conceitos de Deus, céu, inferno,
certo, errado, santo, pecado? Essas coisas... Vamos supor que se
'descubra' vida inteligente, Seres mais evoluídos que nós ou que eles
nos descubram? Vai que eles tem conceitos totalmente diferentes de nós,
talvez até uma verdade melhor, um Deus melhor, um céu, um inferno, um
certo, um errado, um conceito de santidade e de pecado, um conceito de
moral e ética melhores que os nossos conceitos? Ou vai que eles não
pensam em nada disso? Ou seja, como ficaria as nossas verdades tidas
como inquestionáveis?
Amigo: mas como é que poderíamos saber de uma coisa dessas?
Rúlio: amigo, o que é que faz o celular que você usa escondido funcionar e levar sua voz lá para fora?
Amigo: satélites, as ondas.
Rúlio: muito bem, e quem colocou o satélite lá em cima?
Amigo: os astronautas, a NASA?
Rúlio:
e quem fez a nave que levou os astronautas? Quem fez o satélite? Quem
fez o teu celular? E até mesmo, quem fez essas barras que nos prendem?
Amigo:
os chineses em trabalho escravo nas fábricas de celulares na China? Tô
brincando! Os engenheiros, os técnicos, os operários?
Rúlio: claro
que os operários, os chineses escravizados, os engenheiros, os técnicos e
demais trabalhadores explorados, colocaram sua energia, sua força, e
executaram a construção de tudo isso. Mas, o que está por trás de tudo
isso? O que nos faz ver as Estrelas, Planetas, bem de perto?
Amigo: telescópios, sondas, satélites?
Rúlio:
E o que possibilitou a existência de tudo isso? Seriam os padres? Os
pastores? A religião? Os metafísicos? Os teólogos? Os jogadores de
bocha? Os filósofos?
Amigo: não! Creio que nenhum deles. Eles não são cientistas!
Rúlio:
isso! Meu amigo! Voltando à pergunta que fizemos antes, o que poderia
nos ajudar a saber dessas coisas? O que pode nos dar uma reposta exata,
que se possa comprovar, experimentar, que possa ser tida como verdade de
fato, vivida?
Amigo: a ciência!
Rúlio: à primeira, segunda e
terceira vista: a ciência! Essa ferramenta mais útil e menos inútil que
as outras. Fora da ciência não há salvação! Fora da ciência, o resto é
uma babaquice sem sentido.
Amigo: mas Rúlio, você me disse outra hora que era professor de Filosofia! Então, para você, até a Fiosofia é uma babaquice?
Rúlio:
fui, numa vida inútil que levava. A Filosofia, meu amigo, só não é uma
completa babaquice porque ela ainda é uma agradável distração. Mas te
digo, amigo, que o diabo nos leve se eu afirmar ser 'Filósofo' apenas
por ter ficado 4 anos numa faculdade ou por ter um título de Doutor!
Isso sim seria babaquice! Você é o que é e só pode se tornar aquilo que
é, nada mais do que isso!
Amigo: que o capeta leve só você, eu não! Mas o que você quer dizer com isso 'só podemos nos tornar o que somos?'.
Rúlio:
simples, você é o que é. Homem quem nasce, cresce, se reproduz ou não e
morre. Você pode imaginar e fingir ser qualquer outra coisa durante a
vida toda mas no fim você se tornará aquilo que você sempre foi e é,
desde o início. A natureza nos faz diferentes. Uns são bons, outros
maus, uns são espertos, outros nem tanto. Uns são fortes, outros fracos.
Você pode dar uma de gênio e até mudar de sexo. Mas essencialmente,
você veio a esse mundo sendo o que é, e por isso, por mais que que mude,
no fim, se tornará aquilo que é. Evoluirá? Talvez. Mas será aquilo que
é, mera partícula de poeira cósmica pensante, em luta consigo mesmo.
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Comentários
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Que a balança da justiça cósmica pese mais para o lado do bem e dos atos bons no final! Luz!