Livro: A queda de Jamir, nunca Rei do Gadistão
COMPRAR IMPRESSO, EBOOK OU PDF EM CLUBE DE AUTORES/LINK: https://clubedeautores.com.br/livro/a-queda-de-jamir-nunca-rei-do-gadistao
.
.
.
Texto base para fins de estudo aberto, abaixo:
Adversário é um eufemismo para inimigo. Todos nós temos inimigos, reais e imaginários que habitam as profundezas de nossas mentes, exaustas das loucuras e bizarrices desse mundo cão. E há, na realidade, pessoas que nos odeiam mesmo sem nunca terem nos visto pessoalmente, como se nos conhecessem. Em todo lugar desse estranho mundo, a maldade e a ignorância quando combinadas, resultam na pior versão do fanatismo. E no Gadistão, o fanatismo pode ser ainda mais visceral, mais macabro, mais bizarro, mais sinistro e ao mesmo tempo, mais tragicômico.
Havia esse tal Jamir, um sujeito megalomaníaco, tragicômico, vil e soez histrião, sem nenhum caráter e escrúpulo, que viveu por mais de trinta anos de maracutaias na política após servir o Exército do Gadistão de onde foi expulso e depois 'desexpulso' ganhando a patente de Capitão. Os cidadãos da República dos Macunaímas, país vizinho do Gadistão, chamam isso de "cair para cima". Jamir tinha três esposas e cinco filhos e, por isso, ele se considerava um homem de famílias, o que, de certa forma, agradava ao povo do Gadistão que também era como ele, um homem de famílias.
Na política, Jamir nunca foi ninguém, era um bravateiro, um rachadeiro (um tipo comum de ladrão com um cargo público) e um vadio profissional. Como se tornou um especialista na parte de 'politicar', ou seja, de viver bem, com tudo do bom e do melhor sem fazer nada, resolveu ensinar tal arte a seus quatro filhos homens mais velhos, que também acabaram como Jamir, politicando, vivendo uma vida mansa sem fazer nada, só na base da velha bravata, rachadinha e vadiagem. É Claro que Jamir não era o único político do Gadistão a viver de politicagem, bravata, rachadinha e vadiagem, aliás, para ser um político de verdade no Gadistão, todos os políticos tinham que já ter alguma experiência comprovada na área da rapinagem. O sujeito que não sabia sequer dar uma roubadinha numa Câmara menor ou numa prefeitura, era visto como um inútil pelo povo do Gadistão que adorava os grandes ladrões, como Jamir e seu antípoda, Bula-la. Bula-la era muito parecido com Jamir na arte da politicagem, mas já tinha sido preso, o que de certa forma, revelava uma falha em suas habilidades, afinal, ladrão que se preza jamais pode ser pego.
Contudo, para encurtar a história chata de tais personalidades ignóbeis e bizarras, Jamir que não era ninguém, apenas um ladrãozinho de Câmara menor, com o passar dos anos foi subindo de posto e chegou à Câmara maior. Nessa época, Bula-la já tinha sido Presidente do Gadistão, que em sua época, era chamado extra-oficialmente pelos seus seguidores, de 'Burrolândia Encantada', já que todos eram burros encantados, fãs fanáticos. As coisas iam muito mal, mas não tão mal assim no Gadistão e Bula-la, que tinha feito sua sucessora, Dilmandioca, tinha recém sido pego com a boca na botija e preso. Como pode um grande ladrão ser pego e preso? Aí é que está a suprema arte do grande ladrão, fingir que não é um grande ladrão ao ponto de se deixar pegar e ser preso.
Com Bula-la, líder máximo e ladrão máximo, preso por um Juiz ladrão, e Dilmandioca que havia apenas administrado uma lojinha de 1,99 e levado à falência, justamente por não saber roubar, como Presidanta, Gadistão estava à beira do caos. O povo estava bovinamente nervoso sem ter um homem ladrão para roubar e deixar os demais políticos roubarem. "Um País construído na ladroagem não poderia jamais ficar sem um ladrão de verdade no posto máximo para roubar a todos, junto dos ladrões do Congresso e da Suprema Corte. A verdadeira divisão dos poderes consiste na divisão do dinheiro que é roubado do povo. Quando há desequilíbrio na divisão do dinheiro roubado do povo, há risco de ruptura institucioAnal e todo povo sofre com isso. O povo só quer ser roubado em paz", dissera um Astrólogo que mais tarde se tornaria um Guru.
A tensão no Gadistão aumentou, o povo antes acostumado a ser roubado 24 horas, estava cansado de não ser roubado por causa de uma Operação da Polícia, chamada de Operação Lava Rato, onde os promotores, que eram ao mesmo tempo hackers, delegados, agentes, juízes e comentaristas de TV, e o Juíz que se achava Eliot Ness à enésima potência, prendiam os políticos ladrões que não eram do seu bando, os torturavam fazendo cócegas com penas que eram passadas na sola dos seus pés, os faziam confessar e, depois, lhes davam a liberdade de volta e um prêmio em dinheiro chamado de 'delação premiada'. Mas, mesmo com a Operação Lava Rato tendo prendido Bula-la, seus amigos políticos e alguns dos ricos mais ladrões do País, o povo estava sedento e queria ser roubado a qualquer custo, como no tempo da ditadura. Assim, alguns ricos picaretas se reuniram e disseram ao desprezível Jamir, trambiqueiro profissional: ‘por que você não se candidata à Presidente?’ E Jamir, imbecil como sempre foi, disse-lhes: ‘eu? Não sei roubar tanto, o meu negócio é rachadinha, rachadona e mensalão é coisa grande demais, não sei se consigo não, tá ok?’. Mas, os verdadeiros donos do Gadistão, que são os 1% dos ricos que detém 99% de todas as riquezas e que fazem as piores e mais cafonas festas chiques, tinham planos para Jamir e o convenceram a ser candidato.
Com a elite do Gadistão do lado de Jamir, cansada de Bula-la, cassaram Dilmandioca que, de tão tonta que era, quando foram lhe retirar do Palácio do Governo, ela perguntou: 'Mas que diabos está acontecendo? Teve mais um golpe e eu nem fiquei sabendo!'.
Até que as eleições de faz de contas chegassem, a elite cafona do Gadistão colocou o Vice de Dilmandioca de Presidente tampão, o Tetemer. Tetemer era um dos chefões de um dos maiores bandos apelidado de partido, que tinha roubado o país por vários anos junto do partido do Bula-la, inclusive. Por ser um ladrão com vocabulário, um ladrão educado, o povo do Gadistão aturou Tetemer. O tempo passou, o povo se manifestou várias vezes por um novo tipo de ladroagem, mais família, mais patriota, mais conservadora, mais moralista. E alguns meses depois dos grandes protestos por 'mais roubos e menos mimimi', o povo teve o que tanto queria, Jamir foi eleito o novo Presidente do Gadistão. Claro, como tinha de ser, Jamir tinha seus quatro filhos junto na politicagem.
O povo do Gadistão ficou tão eufórico que sequer viu o tempo passar. Quando menos percebeu, já tinha passado uma pandemia com mais de 680 mil mortos pelo negacionismo de Jamir que estava mais preocupado em vadiar e roubar. Graças aos novos aliados da Elite do Gadistão, Jamir fez acordo com os velhos ladrões do Congresso que tinham acordo com os velhos ladrões da Suprema Corte que o mantiveram na Presidência enquanto passavam todas as boiadas, principalmente, institucionalizando’, ‘legalizando’ a ladroagem através do Jamirlão, uma espécie de mensalão, mas não qualquer mensalão, era ‘O Mensalão’. Várias leis para garantir a roubalheira, a bandidagem, a impunidade e a censura por tabela também foram aprovadas na era Jamir junto dos ladrões do Congresso e chanceladas pelos ladrões da Suprema Corte. Jamir só queria passear de moto, vadiar e falar bobagens, já que agora ele só precisava assinar a liberação do dinheiro do povo que seria roubado e depois pegar a sua parte (25%) numa boa, através de um complexo sistema de rachadonas que foi o Jamirlão, muito maior que o Bula-lalão. Jamir nunca mais soube o que é Rachadinha. Até, dizem alguns, Jamir, por vezes comentava com seu filho 'Brabo': "quem diria que de meros ladrõeszinhos como nós compraríamos até mansões e trocentos imóveis com dinheiro vivo, ein?".
Jamir vivia numa boa enquanto o povo catava osso. O povo, claro, adorava isso, porque jamais foi roubado tão bem como agora, roubado com patriotismo, por gente de família, defensores da moral, dos bons costumes, da religião e da liberdade, e, sobretudo, ser roubado em paz. Ser roubado em paz era tudo que o povo do Gadistão sempre quis. Mas, seu filho Brabo, um tipo de Rasputin, ou seja, que exercia forte influência sobre Jamir, queria mais, queria ele ser o Rei do Gadistão e, assim, enfiou na cabeça do Jamir que ele tinha que dar um golpe e se tornar Rei do Gadistão. Contudo, Jamir estava de mãos amarradas, já que havia assinado um acordo de papel passado dando poderes quase que totais aos ladrões do Congresso e da Suprema Corte em troca de vadiar em paz. Mesmo assim, Brabo insistiu e, então, Jamir começou a fazer ameaças, a dar uma de ditador e o povo que só queria ser roubado em paz começou a ficar incomodado com aquela ‘nova’ postura do Jamir.
"O cara tem tudo, pode vadiar numa boa e deixar o povo ser roubado em paz! Todo mundo leva o seu, numa boa, sem dor de cabeça, sem Operação Lava Rato para encher, o que esse imbecil quer mais?", disse um Ministro de boca grande da Suprema Corte. O fato é que Jamir não queria nada além de vadiar, mas Brabo, seu filho Rasputin, queria ser Rei, mas para ser Rei tinha de ver Jamir dar golpe, se declarar Rei e depois tomar o poder de Jamir para então ser o Rei do Gadistão. Entre muitas insanidades, bizarrices e idiotices perigosas, a Elite do Gadistão, foi se enchendo do Jamir e de seus filhos abestalhados que queriam ser príncipes e depois Reis, numa MonaAnarquia medonha. Então, os que de fato mandam no Gadistão, o 1% dos ricos ladrões que detém 99% de todas as riquezas e que fazem festa cafonas, mandaram seus vassalos na Suprema Corte libertarem Bula-la para concorrer às eleições de cartas marcadas a fim de evitar um golpe MonaAnárquico de Jamir, influenciado por seu filho Brabo. Jamir, apesar da insistência de Brabo que o forçava a parecer ditador, tirano e mais idiota que o de costume, seguia a sua rotina de vadiagem, achando que Bula-la, não seria páreo para ele numa eleição normal. "Deixa ele sair, até vou mandar meu ministro votar pela soltura dele, tá ok?", teria dito Jamir.
E Bula-la saiu da cadeia graças à Elite do Gadistão que é quem manda de verdade em tudo, na Suprema Corte, no Congresso, nos governos estaduais, regionais, municipais, anais, no crime organizado e desorganizado, nos guardinhas de trânsito que brotam de bueiros para multar as pessoas e tudo mais. A eleição veio e Jamir, que não passou de bravatas sobre golpe, à mando do filho Brabo, perdeu pro Bula-la. Bula-la estava de volta. "Agora sim!", pensavam muitos do povo do Gadistão. Outros diziam: "Agora temos um ladrão de verdade, condenado e descaradamente descondenado, solto, livre, inocentado, lavado, renovado, com vários anos de experiência na ladroagem, com a Elite, com o Congresso de ladrões, com a Suprema corte de mafiosos e ladrões, com tudo a seu favor. Agora, enfim, nós, o povo, poderemos ser roubados em paz!".
Após a derrota numa eleição apertada, Jamir sumiu e os seus seguidores resolveram fechar rodovias para pedir golpe, conforme o filho Brabo, o Rasputin de Jamir, desejara. Brabo tinha uma rede de fake news por onde mentia 24 horas por dia para os seguidores fanáticos desmiolados. Mas, Jamir, que no fundo era pau mandado da Elite do Gadistão, como todo Presidente, já tinha negociado com os ladrões do Congresso e da Suprema Corte e só queria voltar a vadiar em paz. "Um vadio quando está em paz, não quer guerra com ninguém", teria dito Jamir ao Guru antes do Guru morrer na Pandemia que ele dizia não existir.
Na primeira noite após a derrota, Jamir reuniu as suas famílias no Palácio e disse: "Perdemos, fazer o que? Agora pelo menos podemos vadiar em paz. Temos dinheiro para o resto de nossas vidas, fruto de roubo de uma vida inteira. Chega de tristeza, vamos beber, celebrar a nossa vida e que se foda o povo! Porque se foder e ser roubado é o que o povo mais quer! E nós fizemos isso com o povo, o fodemos bem na Pandemia, o roubamos um monte através do Jamirlão e o roubaríamos muito mais, mas não deu, infelizmente. É a vida, não dá pra roubar para sempre. Esses quatro anos foram como se fossem vinte e um, onde fizemos tudo que podíamos para foder e roubar o povo. Espero que o povo nunca esqueça disso! Mas, agora, no tocante a isso, que o povo seja roubado pelo Bula-la, que também já está velho e logo poderá bater as botas e ser substituído por outro ladrão, talvez até pelo seu Vice, o Malaalckmin. Mas, deixemos eles pra lá e vamos em frente, vamos aproveitar a nossa vida!".
Nisso, o filho de Jamir, Brabo, que vivia bravo, saiu de trás do biombo onde cheirava um pó branco, tomou seu Martini e disse, meio que gritando: porra nenhuma, pai! Eles não vão nos deixar vadiar em paz! Eles querem ver a nossa caveira! Estamos todos ferrados! Eles vão tirar tudo de nós, nos perseguir e até nos botar na cadeia, talvez, até nos deixar sem nenhum tostãozinho. E a culpa toda sabe de quem é? Dessa rapariga que se faz de crente, essa sua terceira mulher de fachada, foi ela que ferrou com tudo!
Então, a terceira mulher de fachada do Jamir, foi em direção de Brabo e lhe deu um bofetão na cara: seu viciado! Quem ferrou com tudo foi você e sua rede de fake news, a sua insana loucura de querer ser Rei no lugar de Jamir! Foi você, seu Rasputin, sua víbora, foi você que fez Jamir confundir alhos com bugalhos e se perder no personagem! Seu animal! Todos estávamos muito bem, Jamir vadiava em paz, eu vadiava em paz, cada um de nós podia vadiar em paz e até ser Cosplay do que quiséssemos, de crente, de pitbull, de embaixador, de tudo, mas não, você tinha que querer ser Rei! É nisso que dá ser viciado! Vive de paranóia, vê ameaça em tudo e todos e só fala merda! Agora todos estamos sendo forçados a aceitar meros $ 42 mil dinheiros de aposentadoria pro Jamir, alguns carros, alguns seguranças e ficar de boca fechada. É tudo culpa sua, Brabo, seu viciado imbecil!
Brabo, como era bravo, partiu pra cima da terceira mulher de fachada de Jamir, a derrubou no chão e lhe deu dois chutes nas costas. Enquanto a mulher caída no chão gritava, Jamir se levantou e com olhar de desgosto disse: "estou indo dormir". E se foi. Brabo sentou à mesa e chorava de soluçar: ‘sua puta louca! Você ferrou com tudo!’. E a terceira mulher de fachada de Jamir, com o ombro meio deslocado pelos chutes de Brabo, foi levantada pela serviçal do Palácio e levada a seus aposentos. As câmeras do local flagraram tudo. Brabo sumiu por uns dias.
Enquanto isso, nas ruas, praças e rodovias, alguns radicais fanáticos de Jamir, agora incitados por outro filho de Jamir, Bananelho, ainda viajavam na maionese e queriam que Jamir desse um golpe, tomasse o poder e expulsasse Bula-la e todos demais para Cuba. Mas já era tarde demais e era melhor os fanáticos já irem se acostumando com a derrota e o silêncio de Jamir. Alguns funcionários do Palácio fizeram cópias das imagens do barraco de família e venderam a alguns ladrões do Congresso. Os ladrões do Congresso, que tem acordo com Jamir, e que são serviçais dos ricos cafonas que é quem de fato mandam no Gadistão, ao verem que outro filho de Jamir atiçava os fanáticos, foram até Jamir, sob ordens da Elite, mostraram as imagens e disseram-lhe: "Se você e seus filhos bestas não ficarem de boca fechada e não pararem de atiçar esses lunáticos radicais, essas imagens vão parar na TV no horário nobre".
Jamir, então, desnorteado, com medo de ser linchado pelos próprios seguidores, reafirmou aos ladrões do Congresso que só quer vadiar em paz e que não mais falará de política por um bom tempo e que deixará Bula-la fazer o que quiser com o governo e roubar o povo à vontade. E assim, acabou a história de Jamir, o trambiqueiro especialista em fazer nada que ajudou a Elite do Gadistão a montar, junto do Congresso de ladrões e da Suprema Corte de mafiosos ladrões, um sofisticado sistema de roubo 'legalizado'. E enquanto os poucos radicais de Jamir choram a derrota, o povo do Gadistão renova suas esperanças na ladroagem enquanto sonha com o dia que de fato voltará a ser roubado em paz.
Resumindo: perceba que as coisas nem sempre acabam mal para os politicopatas, corruptopatas, religiopatas e demais estelionatário da vida, afinal, muitos deles, com Jamir, acabam com uma bela aposentadoria, muita grana e ainda bem protegidos, blindados, livres de punições por causa dos muitos acordos feitos no submundo do Poder e, claro, as moedas de troca. No caso de jamir, a moeda de troca são os radicais que ameaçam a frágil democracia e a mísera paz pública. No fundo, historicamente alienado, o povão só quer ser roubado em paz e que os políticos se matem entre si, desde que não tornem a vida do País todo um inferno pior do que já é. Entra governo, sai governo, a corrupção generalizada, os trambiques, as ameaças, as vilanias, os esquemas continuam. Até quando? Até o dia que o povo, em sua maioria, tome vergonha na cara e resolva não ser mais roubado ‘em paz’. Esse dia chegará? No Brasil? Duvido, e muito!
E-Kan
Filosofia Realista
8/11/2022 - 12:30 AM
E-mail: ekanxiiilc3@gmail.com
—
Abaixo, outros textos bônus para o leitor que gosta de coisas diferentes, ousadas e que falem a real, na cara.
—
JOÃO THOMAZ: DAS PORTAS DA MORTE AO RECOMEÇO
Crônica baseada em fatos reais.
Sinopse: Após perder a esposa e a filha para a COVID-19, sem nenhuma esperança na vida, João Thomaz se vê com uma faca dentro da manga da jaqueta surrada, prestes a matar e se matar. O que a vida reservara para ele na sinuca de bico da vida?
"O ser humano gosta de pensar que está no controle de sua vida. Eu tenho uma teoria sobre o porquê as pessoas fazem coisas terríveis. É a mesma razão pela qual as crianças se empurram no pátio da escola. Se é você quem está empurrando, então não vai ser aquele que é empurrado. Se você é o monstro, nada vai estar esperando nas sombras para pular em cima de você. É muito simples: as pessoas fazem as coisas terríveis que fazem, por medo. E também para elas é melhor ser um monstro, pois na esquina nenhuma força das trevas estará contra você". (Allie, Série Taken, de Steven Spielberg).
A história de João Thomaz
Como já fazia há vários meses, João Thomaz acordou bem cedo, vestiu a velha roupa surrada, calçou seu tênis velho, meio rasgado, deu comida para os cachorros, Nínive e Tigre, dois Vira-latas com quem dividia sua tragédia existencial e sua solidão após a esposa e a filha morrerem de COVID-19, meses atrás.
Apesar de tudo, ele ainda lutava, vivia de bicos e embora tivesse vários anos de experiência como auxiliar de escitório não achava ocupação em lugar algum, talvez por causa da idade, talvez porque fosse negro, talvez por ser pobre, talvez fosse a sua roupa surrada, talvez por morar num bairro distante ou talvez porque não iam com a sua cara.
Mesmo assim, todos os dias ele ia a pé até o centro da cidade à procura de um emprego. Seu trajeto era o mesmo de sempre, ele ia em direção à Agência do Trabalhador, mas por onde passava deixava seu currículo onde podia. Na saída da casa simples, no portão, sempre havia várias correspondências de cobranças de contas de luz, água e boletos atrasados que João Thomaz ignorava, afinal não havia muita coisa que ele pudesse fazer.
João saía bem cedo e a sua via crucis durava pelo menos duas horas até a Agência do Trabalhador, que o povo apelidava de “Agência do Vereador”, já que ela só era usada para a politicagem mais cara de pau que existe. A Agência sempre estava lotada de outras almas à beira do precipício da vida, a maioria na mesma condição de João Thomaz ou até pior. Apesar do grande número de nomes de vagas fixadas no velho mural na entrada, quase nunca tinha vaga para nada. Era sempre uma tremenda sacanagem.
Faziam as pessoas já desesperadas gastar os últimos trocados para pegar o ônibus, amanhecer na fila da Agência, para pegar uma senha, para ver se tinha uma daquelas vagas anunciadas e após várias horas de espera, diante de um atendente sádico, as pessoas ouviam que não tinha a 'vaga pretendida'.
Alguns atendentes, menos sádicos, até verificavam se tinha alguma outra vaga por mais porcaria que fosse, mas a maioria nem se dava ao trabalho e quase sempre olhando com a cara mais cínica que existe, até rindo, devolviam a Carteira de Trabalho e diziam ao pobre diabo que se quisesse ver outra vaga, deveria pegar outra senha, aguardar a vez novamente e aí então verificar.
Sim, já teve gente que surtou, xingou, quebrou cadeira, computador, mas no final acabou indo em cana e levando socos e pontapés dos jagunços disfarçados de segurança e da Guarda Municipal. É, para defender seu ganha pão, alguns que são do povo e igualmente ferrados, batem no povo.
Toda revolta sempre acabava assim na Agência do Vereador, ops, do Trabalhador, onde a politicaria era escancarada. O povão denunciava mas ninguém fazia nada e dizia que ali estava claro público e notório que haviam favorecimentos a parentes de políticos, amigos de políticos, conhecidos de políticos, cabos eleitorais de políticos, puxa sacos de políticos, amantes de políticos, esse tipo de caterva em geral.
João Thomaz, que já nem ligava mais para tudo aquilo, mas que ainda esperava encontrar uma vaga de emprego qualquer que fosse, por mais porcaria que fosse, pelo menos podia tomar um café quase sempre sem açúcar e um mini pedaço de pão que os politiqueiros deixavam para os 100 primeiros que chegassem todos os dias. Na época de eleição, eles deixavam pão com mortadela e do lado do café sempre tinha uma mocinha ou uma velhinha entregando santinhos do chefe da Agência, na surdina.
Naquele dia, João Thomaz se sentia meio estranho. Ficava lembrando de um sonho maluco que teve no qual as pessoas tinham surtado e estavam quebrando tudo pela cidade. Várias delas tinham invadido a Prefeitura, a Câmara e botado fogo. ‘Anarquia e caos até os ossos’, por toda a parte, era o louco sonho que sonhara.
Ele comeu o pedaço de pão, tomou o minúsculo copinho de café e se sentou à espera de sua senha que era a de número 101. No fundo, João sabia que aquela espera era totalmente inútil mas ele não tinha para onde ir, nem o que fazer e achava que só lhe restava ter alguma esperança por mais idiota e vazia que fosse.
Sentado do lado de um pilar, bem no fundão, na parede ao lado tinha uma pequena estante, dessas que sempre tem por todas as repartições públicas, com livros velhos, revistas amassadas e jornais do mês passado.
Já que tinha tempo de sobra, João Thomaz passou a vista e notou um pequeno livreto, todo remendado de durex. O nome do livro totalmente 'trash' era: "Carta aos ricos e aos políticos gananciosos e corruptos". O livreto era de um professor da cidade, muito conhecido nos bares e que já havia morrido de tanto beber. ‘Cirrose Hepática por excesso de cachaça’, foi a causa de sua morte. Curiosamente, ao lado do livreto pego pelo JT, tinha uma revista do Drauzio Varella falando sobre Cirrose por cachaça, com perguntas e respostas. Numa das respostas, o médico da Globo dizia: “Já existe uma estimativa de que um indivíduo pode desenvolver cirrose hepática se beber 80 gramas de álcool por dia, durante aproximadamente 10 anos. A mulher, que é mais sensível, corre o mesmo risco com metade dessa dose”.
João pensava e dizia mentalmente: ‘se for assim, não tenho mais fígado então! Tudo mata, até a vida mata! Como diz certa música: “eu bebo sim e tô vivendo, tem gente que não bebe e tá morrendo”. Seja como for, a morte vai nos pegar à qualquer momento mesmo, então, foda-se!’.
Após aquele desolador momento de prosa com o próprio cérebro, João pegou o livro do professor que morreu de pinga, olhou-o e pensou: ‘temos muito tempo mesmo’. Era um texto curto, quase uma crônica, no máximo umas 30 páginas. O livro começava com a citação feita por Bobby Kennedy no dia do assassinato de Martin Luther King em 4 de Abril de 1968. João lia atentamente o texto que dizia:
[...] No dia do covarde assassinato do inigualável Dr. King, Bobby Kennedy, irmão do Presidente dos EUA, John F. Kennedy, também covardemente assassinado em 23 de Novembro de 1963, por Lee Harvey Oswald, Bobby, que estava prestes a fazer um discurso eleitoral em Indianápolis, e que foi pego de surpresa por aquele hediondo crime, discursou dizendo: "Eu trago uma notícia triste para vocês, para todos nós e acredito que para todos os cidadãos dos EUA, e para os amantes da Paz em todo o mundo. A notícia é que, Martin Luther King, foi baleado e morto hoje à noite em Mênfis, Tennessee. Martin Luther King dedicou a sua vida ao amor e à justiça entre os seres humanos. Ele morreu por causa dessa luta. Para Aqueles dentre vocês, que são negros, e estão tentados a se deixarem preencher por ódio e desconfiança, por conta da injustiça de tal ato, contra todos os brancos, eu diria que também tenho em meu coração o mesmo sentimento. Um familiar meu foi assassinado mas foi morto por um homem branco. Meu poeta preferido é Ésquilo. Ele escreveu uma vez: "Até mesmo quando dormimos, a dor que não pode esquecer, cai gota a gota no coração, até que em nosso próprio 'desespero', contra a nossa vontade, venha a sabedoria através da terrível Graça de Deus". O que precisamos nos EUA não é divisão. O que precisamos nos EUA não é de ódio, o que precisamos nos EUA não é violência e desordem, mas sim amor, e sabedoria, e compaixão pelos outros. E um sentimento de Justiça para aqueles que ainda sofrem em nosso País, quer sejam brancos ou negros".
Bobby também seria covardemente assassinado meses depois, no dia 5 de Junho de 1968 às 12:15, no Hotel Ambassador, com 3 tiros disparados por um Palestino chamado Sirhan Sirhan, logo após Bobby ter vencido as Primárias à Presidência dos EUA pelos Democratas na Califórnia [...].
João Thomaz leu aquilo e lembrou de um trecho de uma série sobre Bobby Kennedy onde uma pessoa ao ser entrevistada na época, após o assassinato de Bobby, disse ao repórter:
"É inacreditável! Sempre que tem alguém querendo fazer a coisa certa pelas pessoas, principalmente pelos mais pobres, algo muito ruim acontece com elas. Mataram o irmão dele, que era Presidente dos EUA em 1963, assassinaram o Dr King poucos meses atrás e agora mataram Bobby. Esse mundo não tem mais esperança", disse o homem.
João, que já tinha perdido a esposa e a filha para a COVID-19, que estava ali sentado esperando o lento passar dos números até o 101, não podia deixar de concordar com o que aquele pequeno livreto estava expondo sobre a história, especialmente, sobre a parte que dizia: 'Esse mundo não tem mais esperança".
Entretido com o livreto, como se tivesse sido tirado do corpo físico, nem ligava para as pessoas que sentavam ao lado, quase que grudadas nele, em plena Pandemia, com centenas ainda morrendo de COVID-19 todos os dias pelo Brasil. Talvez, João não se importasse mais com a morte. Virando as páginas do livro como virava as páginas da vida, lentamente, ele se deteve em algumas citações de Alice no País das Maravilhas. Eram elas:
"Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então".
“Não posso voltar para o ontem porque lá eu era outra pessoa”.
Por um breve momento, uma certa tristeza tomou conta de João Thomaz. Ao mesmo tempo, como em todas as horas do dia, ele imaginava como poderia ser bom voltar para o ontem, isto é, viajar no tempo. Voltar há alguns meses atrás e tentar evitar a morte de seus entes queridos.
Isso seria possível? Era Impossível? Qual era o destino? O destino delas já estava traçado, como o destino de milhares de pessoas? Ou tudo isso poderia ter sido evitado se politicopatas, psicopatas, assassinos, corruptopatas, desgraçados, malditos e ignorantes não estivessem no Poder incitando as pessoas a se descuidarem numa Pandemia mortal, empurrando todos ao abismo? Como uma única pessoa poderia, mesmo que voltasse no tempo, salvar seus entes queridos e a todos e mudar o curso da história?
O som da senha toca alto e o traz de volta para a realidade, 58 era o número chamado. O de João Thomaz é o longínquo 101. E enquanto os números iam sendo chamados à passos de lesma, João foi ao banheiro sujo e fedido, sem água na privada entupida, como ocorre em quase todos os setores públicos no Brasil.
No chiqueiro apelidado de banheiro, os mesmos rabiscos de sempre nas paredes: frases sem nexo, telefone de alguém oferecendo o corpo por dinheiro, loucuras em geral e um poema que chamou a sua atenção.
Na parede amarela, já desbotada, o escritor de privada suja deixou escrito o seguinte:
[...] ""Poemas Rabiscados"
Agora estamos aqui
Não sei por que, nos deixamos levar
Às vezes me divirto, cortando a grama de casa
Às vezes me encontro, me perdendo no jardim
Em meio aos espinhos
Em meio às flores
Em meio aos insetos
Em meio aos tocos de cigarro
Que você jogou da tua boca
Agora, ainda estou aqui
Às vezes me divirto lendo coisas antigas
Às vezes me encontro no espelho de um banheiro público
Em meio ao lixo
Em meio aos odores
Em meio aos fungos
Em meio aos rabiscos nas paredes]
Que alguém deixou como um último recado..." [...]
João Thomaz sorriu mentalmente e repetiu as duas últimas frases: "em meio aos rabiscos nas paredes, que alguém deixou como um último recado". E voltou ao lugar onde estava e viu que muitas pessoas já tinham vazado, indo embora, desistido. Numa cadeira próxima, sentou uma mulher que aparentava ter quase a sua mesma idade, algo por volta dos 45 anos. O número chamado era 65. Só tinha dois guichês atendendo.
A mulher olhou para João e perguntou se ele queria outra senha que alguém tinha abandonado, o número era 89. João agradeceu, mas deixou pra lá. A mulher ficou sem entender a recusa de João e nem tentou puxar conversa. João não tinha para onde ir mesmo e o livreto estava quase chegando ao fim.
Entre senhas chamadas e páginas viradas, ele foi lendo aquele texto com uma história maluca, com citações como a de Bobby Kennedy, Alice no País das Maravilhas, e que também contava uma história parecida com a dele. Nela, o autor do livreto, narra uma história de indignação, de revolta, de um homem em busca de justiça social, na qual, no fim, o personagem escrevia uma "carta aos ricos e políticos gananciosos e corruptos", e esse era o nome do livreto que João Thomaz estava lendo.
A carta no livro e que dava nome ao livro, era um misto sinistro de loucura, terror, desabafo e um Adeus já que o personagem do livro comete suicídio se jogando na frente de um Trem no final. Nela, o personagem dizia:
[...] "Carta aberta aos ricos e políticos gananciosos e corruptos
Com sua ganância, corrupção e desumanidade. Vocês tiraram tudo de nós. Nossos familiares, nossos amigos, nossos empregos, nossos sonhos, nossas noites de sono, nossa sanidade, nossos sorrisos, nossa fé, nossa esperança, nossa alegria e a nossa vontade de viver! Agora que não temos mais nada a perder, vamos fazer justiça por todos os que vocês mataram, prejudicaram e destruíram. Nós somos muitos e estamos em todos os lugares. Estamos fazendo a sua refeição de manhã, meio dia e à noite, nas suas casas, nos restaurantes que frequentam e até na refeição de suas crianças nas escolas caras e os lanches dos seus filhos promissores nas Universidades. O que nos impede de botar veneno de rato em suas comidas? Nós estamos nos postos de combustíveis onde vocês abastecem seus carrões! O que nos impede de anotar a placa dos seus carrões e passar a bandidos que adorariam sequestrá-los, assaltá-los e executá-los? Nós estamos nas clínicas caríssimas onde vocês consultam ou mudam suas caras, bundas e seios. O que nos impede de invadir essas clínicas sorrateiramente e antes de suas sessões de aplicação mudar os medicamentos para doses erradas e assim ferrar com seus rostos e seus corpos? Nós estamos nos seus celulares, computadores, nos seus modems, vendo seus e-mails, suas redes sociais e os sites que vocês frequentam. O que nos impede de mostrar a todos as suas caras de pervertidos e os sites que vocês acessam? Nós estamos em toda parte, coletando seu lixo, limpando sua latrina, cortando seu cabelo, lavando seus carros, preparando suas refeições, passeando com os seus cachorros, varrendo as ruas, na feira lhe vendendo queijo, cuidando de suas crianças, prendendo bandidos, rezando suas missas, na sarjeta pelas praças da cidade se drogando, dirigindo um caminhão, pilotando um avião, na fila do supermercado, na mesa ao lado no bar ou no café, na recepção do hotel e do motel, no trânsito parado, na cama deitado a seu lado, num laboratório com um monte de vírus na China ou na Europa, na Casa Branca do lado da chave de um monte de míssil nuclear, na estação espacial ou nos centros de observação, do lado daqueles que podem não avisar a aproximação de um meteoro ou de uma grande rajada de massa solar, nós estamos em todo lugar, caminhando no parque ou na praia num belo dia de sol, vagando pela noite, segurando uma faca, uma arma de fogo, uma ferramenta que pode ser usada como arma ou atrás de um volante, embriagado. Nós somos os espíritos e as vozes daqueles que vocês destruíram e mataram com sua ganância e corrupção. Nós somos as vozes que farão vocês e os seus próximos surtarem. Nós somos as vozes que farão os loucos que cruzarem seus caminhos, atirarem em vocês, nós somos as vozes que dirão aos nóias da rua para os esfaquearem enquanto andam de bike, nós somos as vozes que dirão para a empregada tratada pior que cachorro, assediada e abusada botar, veneno na sua comida. Nós somos as vozes que farão os traficantes colocarem venenos nas drogas dos seus filhos mimados, patricinhas e playboys, que só lhes dão desgosto mas que vocês, iludidos, acham que lhes parecem promissores. Nós surgiremos quando menos vocês esperarem, sob a luz do sol, quando estiverem se sentindo felizes, seguros, intocáveis, curtindo com dinheiro roubado do povo numa praia ou parado no carro no trânsito, prestes a serem engavetados. À noite, quando vocês estiverem dormindo, invadiremos vossas mentes e almas e faremos vocês terem os piores pesadelos. Nós torturaremos vocês, atiraremos em vocês e os esfaquearemos em sonhos. Nós somos as vozes dos que foram mortos, destruídos e prejudicados por sua ganância e corrupção. Nós os deixaremos loucos, desesperados, suicidas, nós os aterrorizaremos, depois pegaremos aqueles que vocês amam, e por último nós os pegaremos. Até esse momento derradeiro, veremos vocês, gananciosos e corruptos, que se achavam intocáveis, acima de todas as leis, até mesmo da lei Kármica, perderem o sorriso, a fé, a esperança e a vontade de viver. E antes que algum terrorista os explodam, ou um lunático puxe o gatilho e exploda suas cabeças ou um nóia qualquer lhes acertem várias facadas, vocês saberão como nós nos sentimos e entenderão que tudo tem consequências. Vocês sabem que tudo poderia ser diferente se vocês não fossem podres de mente e de alma, gananciosos, desumanos e corruptos. Nós somos o vosso Karma, o equilíbrio da equação, a centelha da justiça cósmica, os vingadores, as vozes dos que se foram antes do tempo por causa de suas ações malignas. Nós somos legião e somos muitos. Estamos em todos os lugares, mais perto do que vocês possam imaginar e, cedo ou tarde, nós vamos pegá-los! Estamos a caminho! Assinado: As vozes dos injustiçados, O Karma vivo, A Legião das Sombras". [...]
João Thomaz leu aquilo e ficou arrepiado, assustado, inquieto e se perguntando: que tipo de mente poderia ter escrito uma insanidade como aquela? Mas, ele também sabia que alguma coisa sinistra, poderosa se apossou de sua mente e sua alma já detonadas. Muitas perguntas sem respostas, muita revolta reprimida, muita tristeza silenciada. Um vulcão estava prestes a entrar em erupção? Ao final do livreto, João observara, algo mais sinistro ainda, que o personagem que escrevera a carta no livro, chamado Sansão, que tinha resolvido se suicidar de maneira brutal se jogando na frente do trem, acreditava que assim morrendo teria, como que num sacrifício, lá no além, teria apoio de espíritos antigos fortes para empreender sua revolta contra os ricos e os políticos corruptos, fazendo aquilo que descrevera na carta sombria, ou seja, influenciando e incitando à loucura, à depressão, ao suicídio e todo tipo de tragédia os que ele julgava ser responsáveis por todas as tragédias humanas do povão, os ricos e os políticos corruptos.
Entre pensamentos difusos e reflexões sobre o que tinha acabado de ler, João percebeu que o seu número, 101, chegou. Ele foi e recebeu a mesma resposta de sempre: 'não tem vaga para o seu perfil'.
João Thomaz, ébrio e atordoado de pensamentos, foi embora, sem discutir.
Seria justo que poucos tivessem muito dinheiro e tudo do bom e do melhor, inclusive os melhores hospitais e tratamentos? Enquanto milhares morriam nos hospitais públicos abarrotados, especialmente na Pandemia, quase sempre faltando medicamentos, com médicos e enfermeiros exaustos, sobrecarregados? É justo que parentes, amigos e puxa sacos de políticos tenham preferência e sejam favorecidos em vagas de trabalho na Agência do Trabalhador? É justo que 1% dos humanos detenham 99% das riquezas de todo o Planeta? É Justo que grandes filhos da puta, que só fazem mal para o povo, estejam por aí 'vivinhos da Silva', com grana e poder, já ricos e ainda assim roubando o povo mais ainda, atrasando a vida das pessoas enquanto pessoas boas e inocentes como sua esposa e filha estejam mortas, como milhares de pessoas pelo País? É justo que grandes desgraçados ricos corruptopatas e políticos politicopatas vivam de boas, impunemente? Se perguntava mentalmente, João Thomaz, enquanto gastava a sola do velho tênis de volta até a casa no bairro distante.
Chegando em casa, a luz cortada. Sem dinheiro pra pagar os meses atrasados para religar. Os cachorros sem ração e o dono da mercearia já não lhe vendia mais fiado por que a conta 'já estava alta' e ele sabia que João Thomaz estava desempregado, fodido na vida.
Um desejo profundo de se matar tomou conta da mente de João. Mas, estranhamente, ele resolveu não pensar muito nisso e foi fazer o arroz e o macarrão que ainda tinha e dividiu com os cachorros que o olhavam com aqueles olhinhos tristes, abanando o rabinho, sabendo, com a lealdade, o companheirismo e a sabedoria de todos os bichos deste mundo, que no fundo, o coitado do João Thomaz tentava sair daquela situação horrível e que ele era uma pessoa boa, de um grande coração que, infelizmente, teve azar na vida, apesar de se esforçar para viver dignamente.
João olhava para os cachorros e chorava copiosamente. ‘Que farei desta minha desgraçada vida?’, se perguntava.
Os bichos, com a compaixão mais pura que há em todos os seres puros desse mundo, se aproximavam de João e o lambiam, botando uma das patinhas sobre seus braços, como que dizendo: 'força João!'.
Profundamente triste. João foi dormir.
No dia seguinte, a mesma via sacra se apresentava. No entanto, João escreveu num papel:
"Por favor, quem encontrar esse recado, já saberá que estou morto. Eu tentei, mas não consigo mais. Por favor, ajudem a Nínive e o Tigre porque nem comida eu consigo mais comprar para eles e não aguento mais voltar para esta casa e ver eles sofrendo com fome, e não poderia soltá-los para as ruas. Essa é a merda que sou. Enfim, já perdi tudo. Meu tempo aqui, pelo visto acabou. Só me resta encarar a realidade que é puxar a tomada e me desligar desta vida, na esperança que um dia renasça numa situação melhor e possa fazer mais coisas por mim, pelos bichos e pelas pessoas à minha volta. Adeus e obrigado! Quem encontrar esse recado pode ficar com essa casa. Apenas cuide da Nínive e do Tigre por mim! Fiquem bem!".
João Thomaz escreveu, chorou, fumou um cigarro, olhou para as árvores, para o céu, calçou o velho tênis, pegou uma faca, a afiou e foi para a Agência do Trabalhador.
Na mente, matar o chefe da Agência e se matar. "Pelo menos levo um desses desgraçados comigo", dizia mentalmente.
À medida que caminhava, João Thomaz via as pessoas, os bichos nas ruas, olhava para o céu, via os pássaros, observava o movimento das pessoas, dos carros, das coisas e tentava se convencer de que o que faria 'não era certo mas necessário'.
Ao chegar na Agência, João fez a mesma coisa de sempre, pegou uma senha, tomou café, comeu o pão com mortadela. Já era época de eleição. E João pensou: espero o desgraçado chegar, espero ele entrar na sala, chego lá como quem não quer nada, fecho a porta, meto umas facadas no pescoço dele e depois me mato cortando minha garganta.
Dito e feito, o chefe politiqueiro da Agência chegou e foi pra sala. João ficou esperando as pessoas saírem. Ele esperou, esperou, esperou um tempão. Quando viu a oportunidade, foi em direção à sala. Mas, suando frio, primeiro entrou no banheiro sujo de sempre. Com a faca afiada, olhou pro pedaço de espelho quebrado, pensou na esposa e na filha, no olhar triste de Nínive e do Tigre, na luz cortada, na injustiça do mundo, nos políticos e ricos corruptos, no livro maluco, na carta sinistra do livro, nas justificativas que inventou para si, se preparou e tomou coragem. "É agora! Chegou a hora do Adeus", disse para si mesmo. João olhou novamente para o pedaço de espelho quebrado e falou: 'desculpem! Me perdoem, talvez um dia eu as reencontrarei!'. E saiu com a faca escondida dentro da manga da velha jaqueta.
Ao abrir a porta do banheiro, um homem que esperava a vez o viu suando frio, de máscara contra a COVID-19, com olhos profundos, marejados. A mente de João não estava mais ali naquele mundo. Ele passou pelo homem como se ele não existisse e chegou à sala do chefe da Agência.
Entrou rapidamente pela porta, o chefe da Agência estava no telefone. João o visualizou, suava frio. Passou os dedos na ponta da faca que estava dentro da manga e só dizia a si mesmo mentalmente: 'é agora, é agora, é agora'.
Quando deu um passo para trás, pegando na maçaneta da porta para fechar a sala e cometer o assassinato, o chefe da Agência disse a ele: você já faz tempo que vem aqui não é? Eu tenho te observado! João suando frio e pego de surpresa responde que sim. Que faz meses que vem em busca de algo.
O chefe da Agência diz: cara, eu tenho uma coisa para você. Só não fala nada pra ninguém porque senão vai dar B.O pra mim. Senta aí.
Desnorteado, João senta, com a faca debaixo da manga. Suando frio. E o chefe da Agência pede seu currículo. João o entrega. O sujeito vê e diz: porra, você tem tudo isso de experiência? E ninguém viu se tinha alguma coisa pra você todo esse tempo? João responde: 'pois é'.
Ainda aturdido, João escuta o cara falar, falar e falar enquanto passa os dedos na ponta da lâmina, ainda com a intenção de matar e se matar.
E, inesperadamente, o cara lhe oferece um emprego de auxiliar de manutenção do prédio da Agência. João sente como se tivesse levado uma paulada na cabeça.
O quê? Como assim? E um monte de vozes explodem na cabeça de João: mata ele porra! Vai meu! Já acabou pra você nessa merda de mundo! Vai ficar fazendo o que aqui sozinho? Meta a faca nesse desgraçado! Vai!!! E uma porrada de coisas e memórias se passam rapidamente ao mesmo tempo na cabeça de João Thomaz.
Mas, porém, subitamente, João volta a si, à realidade e aceita a proposta no ato, de súbito, sem reação.
Diante da vida e da morte, da desgraça total, da falência total, do fim iminente, da tragédia que estava prestes a acontecer, um raio de luz toca a vida de João Thomaz. E ele conta um pouco de sua história e de suas perdas. O chefe da Agência, embora um politiqueiro daquele naipe que todos já conhecem, inexplicavelmente, se comove em demasia com João e lhe dá uma grana para pagar a luz atrasada, pagar a mercearia e conseguir comida para si e para os únicos familiares que ele tinha nesse mundo: Nínive e Tigre e que para eles voltaria em breve.
Completamente desnorteado, com a faca na manga da jaqueta velha, João Thomaz agradeceu ao chefe da Agência que pediu que ele estivesse na Segunda às 7 da manhã para começar o trabalho.
E assim se deu. João recomeçou. Dos portais da morte e da desgraça, para a vida que segue, com os bons amigos de quatro patas, aguentando o que já passou, o que se passa e o que passará.
Um mês depois, já trabalhando na Agência, João foi até a sala do chefe e viu uma mulher, parecia gente boa. Estava sentada na mesa do homem que lhe abriu uma porta. João perguntou: e o chefe? A mulher lhe respondeu. Você não soube? Ele teve COVID, foi para a UTI, não resistiu e infelizmente morreu no final de semana. Foda demais. Mas, ‘é vida que segue’.
João ficou atônito, sem palavras. A nova chefe disse-lhe: você é o João Thomaz, né? Sim sou, respondeu. O Rodrigo, o falecido Rodrigo, disse que via potencial em você, não sei porque ele te ajudou, ele não era muito de ajudar ninguém fora da panelinha sabe? E eu vi teu currículo e já falei com o pessoal de cima, na segunda você começa sua nova função, como atendente, lá na frente à princípio, depois vamos treiná-lo nos guichês. Tudo bem?
João Thomaz, sem palavras, mudo, tremendamente surpreso. Da perda de tudo, da esperança, da fé no mundo e nas pessoas, saído diante dos portais da morte, da desgraça, da tragédia, dos trancos aos barrancos, recomeçou.
Naquele mesmo dia, ele pegou o livreto, pegou o trecho do livreto sobre o Bobby Kennedy com a citação dele com a frase de Ésquilo, a reescreveu num papel e resolveu carregá-la e lê-la todos os dias, na hora em que acorda e na hora em que vai dormir, para Nínive e o Tigre, nos túmulos da esposa, da filha e do chefe da Agência sempre que pode ir ao cemitério, geralmente aos domingos. No cemitério, falando mentalmente consigo mesmo, João diz: “todos têm ódio e amor no coração. Felizmente, meu amor venceu meu ódio. Me sinto mais vivo com isso, diante das perdas irreparáveis que tive na vida? Não. Mas me sinto melhor como indivíduo e como espírito que vaga pela vida. Espero que um dia possa me sentir vivo novamente e melhor ao mesmo tempo. Até lá, sigo sendo como sou, sentindo o que sinto, vivendo um dia, que parece mil anos, de cada vez”.
E toda vez que João Thomaz lê o trecho do livreto que reescreveu, falando com seus mortos ou falando com as pessoas que começaram a fazer parte de sua estrada evolutiva, ele cita a sua própria readaptação do discurso do Bobby Kennedy:
"Bobby Kennedy disse no dia da Morte de Martin Luther King em 4 de Abril de 1968, para uma multidão desnorteada e incrédula com a notícia do covarde assassinato: Martin Luther King dedicou a sua vida ao amor e à justiça entre os seres humanos. Ele morreu por causa dessa luta. Para Aqueles dentre vocês, que são negros, e estão tentados a se deixarem preencher por ódio e desconfiança, por conta da injustiça de tal ato, contra todos os brancos, eu diria que também tenho em meu coração o mesmo sentimento. Um familiar meu foi assassinado mas foi morto por um homem branco. Meu poeta preferido é Ésquilo. Ele escreveu uma vez: "Até mesmo quando dormimos, a dor que não pode esquecer, cai gota a gota no coração, até que em nosso próprio 'desespero', contra a nossa vontade, venha a sabedoria através da terrível Graça de Deus".
O que precisamos nesse mundo não é divisão. O que precisamos nesse mundo não é de ódio, o que precisamos nesse mundo não é violência e desordem, mas sim amor, sabedoria e compaixão pelos outros, sobretudo, em respeito à memória de nossos entes amados que já partiram. E um sentimento de Justiça para aqueles que ainda sofrem nesse nosso mundo, quer sejam brancos ou negros", lia João diante dos túmulos quase todo os domingos.
(Texto E-Kan. Blog Realismologia)
__________________
Lista de livros até o ano de 2022
Lista de livros publicados:
- A queda de Jamir, nunca Rei do Gadistão
- Trabalho Cerebral (Outubro de 2022)
- Vidas Fakes (Outubro de 2022)
- Filosofia Supra Realista (Agosto, 2022)
- Os três pontos de virada na vida (Agosto, 2022)
- Sobrevivendo às merdas da vida, manual prático contra o suicídio. (Agosto, 2022)
- Miscelânea Insólita - Aforismos, poesias, experiências e pensamentos (2022)
- Andarilhos Errantes (2022)
- A.C.O: Ampliação da Capacidade de Observação (2022)
- Lutando como um Leão pra não morrer como um Veado (2022)
- Do WikiLeaks a Lava Jato: a corrupção que mata (2022)
- João Thomaz e Panda: duas crônicas insólitas (2021)
- Teoria da Humanidade Zero (2021)
- As Redes Umbrais Sociais (2021)
- Raul Seixas & A Filosofia. A Arte de Ser um Maluco Beleza (2019)
- Como os ricos corruptopatas e os políticos politicopatas roubam impunemente? (2019)
- Consciencialismo Realista (2019)
- Diabo mulher (2018)
📚📚📚📚📚📚
VER MAIS EM BLOG REALISMOLOGIA https://realismologia.blogspot.com
VER E COMPRAR EM CLUBE DE AUTORES: https://clubedeautores.com.br/livros/autores/emerson-rodrigues
Ou Amazon>>>
Ou direto pelo E-mail grupokzcontato@yahoo.com.br para fins exclusivos de pesquisas e estudos, em formato PDF>>>
________________________________
INFORMAÇÕES GERAIS E AVISO:
Todos os direitos autorais reservados. Proibido qualquer uso comercial sem autorização expressa assinada presencialmente pelo autor. Proibido todo e qualquer uso acadêmico sem citar a autoria: Emerson Rodrigues ou E-Kan ou Eghus Kaninnri.
E-mail para tratar do livro, palestras, entrevistas, parcerias e outros assuntos filosóficos e literários: grupokzcontato@yahoo.com.br
ou via mensagem nas redes sociais.
8/11/2022 - 12:41 - VÁRIOS TEXTOS - EDIÇÃO PERSONALIZADA
Imagem principal: https://opartisano.org/politica/apocalipse-zumbi-ou-a-criacao-do-gado-bolsonarista/
Comentários
Postar um comentário
Que a balança da justiça cósmica pese mais para o lado do bem e dos atos bons no final! Luz!