Conto Extrafísico - Os cães que esperam

Era terça-feira quando Otávio morreu. Sem aviso, sem doença, sem despedida. Simplesmente caiu enquanto tomava café na varanda de casa. A xícara rachou ao bater no chão e, segundos depois, o coração também. Não houve tempo de pensar em nada. Nem medo. Apenas um ruído surdo no peito, um escurecer breve e... silêncio. Quando “acordou”, não era mais terça. Não era mais tempo. Era outra coisa — algo denso, pesado, feito de névoa. Estava de pé, parado diante do próprio corpo no chão. A boca levemente torta. A camisa amassada. O jornal ainda dobrado ao lado. Tentou tocar o próprio braço e passou direto. Tentou gritar, mas o som morreu nele mesmo. E então percebeu: tinha cruzado o rio. Estava do outro lado. O velório foi um fracasso, como quase tudo que tentou em vida. A capela branca do crematório, com bancos de madeira gastos e ar-condicionado estalando, parecia mais uma sala de espera de hospital abandonado. Havia flores genéricas, as mesmas que a funerária colocava por padrão. Nenhum amigo...