Então, por que nos preocupamos tanto se tudo é infinitamente pequeno e tem data de validade?


"Diante da Imensidão Cósmica, da Incomensurabilidade da Vida e da Inefabilidade da Existência, ainda somos meras partículas de poeira cósmica pensantes".

"...assim como os Dinossauros, a espécie humana desaparecerá do mapa um dia e nada no Universo irá mudar porque a 'fabulosa história da vida humana deixou de existir!". (In___ Andarilhos Errantes, apud, E-Kan)

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Logo, diante de nossa gigantesca pequenez, todas as coisas nesse mundo, especialmente os nossos problemas, deveriam ser secundários.

Mas não são. 

Por que nos preocupamos tanto? Por que levamos tão à sério tudo se tudo é infinitamente pequeno na vida do Ser que Somos, do animal pensante que somos, com data de validade? 

Alguns vendedores de ilusões e idealistas de teorias inúteis pregam que é possível 'viver em paz consigo mesmo e com o próximo', 'se afastar de todo o mal', até mesmo dormir em paz, mesmo com todas as tragédias do mundo cão.

Parece uma teoria maravilhosa não é? Até quando ela dura? Até esse 'ser de luz, e infinita bondade e paz' sair na rua e topar com a primeira bizarrice, violência ou injustiça. Ou então, até que o vizinho bêbado erga o som e toque as músicas de seu péssimo gosto no último volume! Aí, acaba a paz interior e a vibe de guru indiano!

Estar em paz enquanto o mundo se afunda no caos, guerras, pandemias, doenças, miséria, abismo social, crises fabricadas e todo tipo de desgraça diária, não será essa mais uma entre tantas ilusões? Ou a mega ilusão?

Nietzsche dizia em 'Assim falava Zaratustra':  

"Paz com Deus e com o próximo: assim o quer o bom sono. E também paz com o diabo do próximo, senão, atormentar-te-á de noite".

Há um tempo atrás publicamos aqui, o artigo: "Filosofia Realista prática: 'ser de boas diante do mundo cão"

Nele, perguntamos:

'Dá para ser 'de boas' diante desse mundo cão, cheio de problemas e mil e um motivos para ansiedade, depressão, tristeza, abismo social, injustiças, abusos criminosos e tudo mais?'.

E, entre outras questões, dizemos:

'Na vida, apesar de trancos e barrancos, apesar de pesares, temos dois caminhos: viver relativamente de boas com os dois pés na realidade ou viver sofrendo, lamentando, reclamando, chorando, se deprimindo e morrendo mais rapidamente. É óbvio que, repito, nem sempre você estará de boas, mas esse é um caminho'.

No resumo geral, penso que mesmo 'ainda sendo meras partículas de poeira cósmica pensantes', devemos tentar levar de boas, na esportiva, essa vida nesse mundo cão, mesmo com todas as cagadas existências e crises fabricadas pelos que se acham donos do Planeta. 

Contudo, isso não significa que vamos 'estar de boas' num estado utópico de paz interior 24 horas por dia, todos os dias do ano.

Não podemos ter a ilusão da paz dos otimistas e nem a ilusão da tristeza eterna dos pessimistas e ser firmes como realistas, isto é, ter consciência de que tudo muda a todo instante, ainda mais nesse mundo dito 'tecnológico' e de Redes Umbrais Sociais, e, como animais pensantes, vivendo no mundo com os outros, somos afetados de todas as maneiras, principalmente, pelo Mal que nunca dorme, pelo Mal sem o qual o Bem não pode existir. 

E convenhamos, para estar em paz interior e exterior, ainda que por alguns rápidos momentos, diante de tantas incertezas, da rapidez com que as coisas mudam a todo momento e do caos reinante, tem que ser 'meio psicopata' ou, no mínimo, ter uma boa dose diária de loucura!

Para encerrar, cito o honorável Erasmo de Rotterdam, em 'Elogio da Loucura', que diz:

[...] Dizei-me por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso, amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso, concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio? Só um louco, mais louco ainda do que a própria Loucura, admitireis que possa sustentar a afirmativa de tal opinião. Ora, se me excluirdes da sociedade, não só o homem se tornará intolerável ao homem, como também, toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de experimentar o desgosto de ser o que é, de se achar aos próprios olhos imundo e disforme, e, por conseguinte, de odiar a si mesmo. A natureza, que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe, imprimiu nos homens, sobretudo nos mais sensatos, uma fatal inclinação no sentido de cada qual não se contentar com o que tem, admirando e almejando o que não possui: daí o fato de todos os bens, todos os prazeres, todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem a nada. Que adianta um rosto bonito, que é o melhor presente que podem fazer os deuses imortais, quando contaminado pelo mau cheiro? De que serve a juventude, quando corrompida pelo veneno de uma hipocondria senil? Como, finalmente, podereis agir em todos os deveres da vida, quer no que diz respeito aos outros, quer a vós mesmos, como, — repito — podereis agir com decoro (pois que agir com decoro constitui o artifício e a base principal de toda ação), se não fordes auxiliados por esse amor próprio que vedes à minha direita e que merecidamente me faz as vezes de irmã, não hesitando em tomar sempre o meu partido em qualquer desavença? Vivendo sob a sua proteção, ficais encantados pela excelência do vosso mérito e vos apaixonais por vossas exímias qualidades, o que vos proporciona a vantagem de alcançardes o supremo grau de loucura. Mais uma vez repito: se vos desgostais de vós mesmos, persuadi-vos de que nada podereis fazer de belo, de gracioso, de decente. Roubada à vida essa alma, languesce o orador em sua declamação, inspira piedade o músico com suas notas e seu compasso, ver-se-á o cômico vaiado em seu papel, provocarão o riso o poeta e as suas musas, o melhor pintor não conquistará senão críticas e desprezo, morrerá de fome o médico com todas as suas receitas, em suma Nereu(34) aparecerá como Tersites, Faão como Nestor, Minerva como uma porca, o eloqüente como um menino, o civilizado como um bronco. Portanto, é necessário que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo, fazendo a si mesmo uma boa coleção de elogios, em lugar de ambicionar os de outrem. Finalmente, a felicidade consiste, sobretudo, em se querer ser o que se é. Ora, só o divino amor próprio pode conceder tamanho bem. Em virtude do amor próprio, cada qual está contente com seu aspecto, com seu talento, com sua família, com seu emprego, com sua profissão, com seu país, de forma que nem os irlandeses desejariam ser italianos, nem os trácios atenienses, nem os citas habitantes das ilhas Fortunadas. Oh surpreendente providência da natureza! Em meio a uma infinita variedade de coisas, ela soube pôr tudo no mesmo nível. E, se não se mostrou avara na concessão de dons aos seus filhos, mais pródiga se revelou ainda ao conceder-lhes o amor próprio. Que direi dos seus dons? É uma pergunta tola. Com efeito, não será o amor próprio o maior de todos os bens?[...]
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Por: Emerson/ E-Kan

Filosofia Supra Realista, 2022.





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